segunda-feira, 14 de dezembro de 2015

Deu no The New York Times: Ponte entre Brasil e Guiana Francesa liga 'ao nada'

  • Meridith Kohut/The New York Times
The New York Times

William Neuman
São Jorge do Oiapoque (Guiana Francesa)
Da entrada do posto da polícia de fronteira em meio às árvores, onde o comandante Pascal Rudeaux sai para fumar um cigarro e observar a chuva tropical cair sem parar, é possível ver os pilares altos de concreto da ponte que deveria ligar a Guiana Francesa, antiga colônia da França na América do Sul, com o vizinho Brasil. Mas basta perguntar a Rudeaux qual é o limite de velocidade na ponte que seus oficiais vigiam para ele rir e fazer uma careta, expressando uma aceitação relutante dos grandes mistérios da vida.
"Eu não sei, talvez 30" quilômetros por hora, disse ele. "Quando eles inaugurarem a ponte, vão colocar as placas."
Mas o limite de velocidade hoje é efetivamente zero, uma vez que a ponte sobre o rio Oiapoque, nos arredores de São Jorge, uma cidade de cerca de 4.000 habitantes, nunca foi aberta para pedestres ou veículos, embora tenha sido concluída há mais de quatro anos, a um custo de US$ 33 milhões na época (R$ 122 milhões).
A ponte, concebida como um símbolo da cooperação internacional --com placas bilíngues em francês e português-- acabou se tornando um símbolo da incapacidade dos dois países de trabalharem juntos.
"A ponte é apenas a parte visível do iceberg", disse Thierry Girardot, 45, funcionário do Parque Amazônico da Guiana, sentado no terraço de um restaurante chamado Chez Modestine, com vista para a pequena praça pública mal conservada de São Jorge, abandonada ao calor escaldante. "Ela é concreta, está lá, é real, mas a ponte não é a única coisa necessária para atravessar a fronteira."
A decisão de construir a ponte foi anunciada em 1997 pelo presidente Jacques Chirac, da França, e o presidente brasileiro na época, Fernando Henrique Cardoso. Ela foi concebida para trazer desenvolvimento econômico para o Estado brasileiro do Amapá, que faz fronteira com a Guiana Francesa, e para criar oportunidades para as empresas francesas e brasileiras. Ela tinha a intenção de conectar a Guiana Francesa, há muito voltada para a Europa, com o continente latino-americano que habita e, em grande parte, ignora.
A intenção também era estabelecer uma conexão entre o Brasil e a Europa. A Guiana Francesa, uma ex-colônia que era usada principalmente para abrigar criminosos em prisões infames e brutais, tornou-se um território ultramarino da França em 1946, obtendo o mesmo status que qualquer outro território francês.
Quando você atravessa a fronteira para a Guiana Francesa, você não só está na França --onde se fala francês, policiais franceses patrulham a fronteira e as pessoas elegem deputados para o Parlamento francês--, você também está na União Europeia. O euro é a moeda local, e as normas da União Europeia sobre questões como segurança alimentar se aplicam.
A França e o Brasil concordaram em dividir o custo de construção da ponte e a estrutura foi concluída em 2011.
No seu lado da ponte, a França construiu um posto de polícia de fronteira, para administrar serviços de alfândega e imigração, que já parece deteriorado e castigado pelo tempo. Na ponte, que é mais longa do que quatro campos de futebol, a linha branca dupla no centro da pista está descascando.
Mas do lado brasileiro, as coisas atrasaram. O Brasil se comprometeu a asfaltar a estrada de terra de 580 quilômetros que liga Oiapoque, a cidade brasileira do outro lado da ponte, a Macapá, capital do Estado do Amapá. Mas grande parte da rodovia ainda não foi asfaltada. O Brasil também atrasou a construção de postos de alfândega e imigração, que só recentemente foram entregues. Eles ainda têm de ser mobiliados e equipados com computadores e outros itens necessários.
"Poderíamos abrir a ponte amanhã se eles enviassem pessoal e terminassem o trabalho", disse Éric Spitz, prefeito de Estado da Guiana Francesa, durante uma entrevista em seu escritório espaçoso, com painéis de madeira, na capital Caiena, a três horas de carro de São Jorge.
Um impasse sobre o seguro dos veículos tem contribuído para o atraso. A França exige que motoristas e companhias de transporte tenham uma cobertura muito maior do que a exigida pelo Brasil. Os dois lados não conseguiram resolver o problema até agora.
Durante uma reunião com seus colegas brasileiros em outubro, Spitz disse que os desafiou a abrir a ponte antes dos Jogos Olímpicos no Rio de Janeiro, que começam em agosto. Segundo Spitz, eles concordaram.
Muitos outros tópicos que surgiram durante as negociações bilaterais sobre a ponte não tinham nada a ver com a própria estrutura. Entre eles está o desejo da França de exportar mais laticínios para o Brasil, e a insistência do Brasil de que a Guiana Francesa tome mais iniciativas para evitar a propagação de uma mosca de fruta que ameaça as plantações brasileiras.
Além disso, há a questão dos vistos. Os cidadãos franceses não precisam de visto para viajar ao Brasil, e os brasileiros não necessitam de visto para viajar para nenhuma outra parte da França. Mas, apesar de a Guiana Francesa ser vizinha, os brasileiros precisam de visto para viajar para lá (exceto para ir a São Jorge, que não requer uma autorização especial).
Isso irrita muitos brasileiros. Filip Van Den Bossche, empresário que vive em Caiena, disse que uma amiga brasileira tinha planejado visitá-lo nas férias mas achou a exigência do visto muito complicada. Em vez disso, ela comprou uma passagem de avião para a Europa.
Spitz, o prefeito, disse que a obrigação do visto tem como objetivo impedir a imigração ilegal de brasileiros para a Guiana Francesa.
Segundo algumas estimativas, milhares de brasileiros estão envolvidos na mineração ilegal de ouro na Guiana Francesa. Navios brasileiros também foram acusados de pescar nas águas do território. Isso afeta a forma como muitas pessoas veem os brasileiros aqui, e muitos na Guiana Francesa não querem um fluxo maior de imigrantes brasileiros.
"Isso nunca vai abrir", disse Sandra Rufino, 45, em frente ao mercado local do lado brasileiro, acenando com desdém para a ponte. "Só está lá para eles poderem dizer que construíram uma ponte."
"É só para decoração", disse sua amiga Marcileide Lozeira, 38.
De volta a Caiena, Spitz previu que a ponte seria como a Torre Eiffel, que foi considerada uma monstruosidade quando foi construída mas veio a se tornar um adorado símbolo nacional.
"Uma vez que a ponte for aberta, todos os anos difíceis serão esquecidos", disse ele.
Tradutor: Eloise De Vylder

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Contribua conosco!

PUBLICIDADE