quinta-feira, 1 de novembro de 2012

“Jorge Amado foi um homem vivo e eterno. Com sua grandeza não será esquecido”

Sarney. Como membro da Academia Brasileira de Letras, palestra
sobre Jorge Amado na Espanha 
A mídia noticiou esta semana a participação do presidente do Senado, José Sarney no simpósio "2012: Año Jorge Amado In Memoriam", organizado pelo Centro de Estudos Brasileiros da Universidade de Salamanca, em parceria com a Academia Brasileira de Letras, em homenagem ao centenário de nascimento do escritor baiano, conhecido em todo o mundo. O evento integra programação na Espanha por ocasião da realização do VIII Fórum Interparlamentar Ibero-Americano. O Diário do Amapá reúne, a seguir, as principais considerações de Sarney a respeito do colega e amigo Jorge Amado, extraído durante sua palestra no evento.

CLEBER BARBOSA
DA REDAÇÃO

Emoção de estar na histórica Espanha, para falar de Literatura e Constituição.
Com muita emoção falo nesta Casa de quase 800 anos, que é, na proclamação de Dom Miguel de Unamuno, “el templo de la inteligência”. Quando soou o grito de Unamuno vivia-se um tempo de tragédia, com a Espanha dividida; falo hoje num momento em que ela vive uma grande crise. Mas deixem-me dizer-lhes de minha certeza de que Espanha é imortal, de quantas vezes já mostrou sua capacidade de superação.

Depois de Salamanca, viagem a Cádiz.
Em Cádiz, para celebrar os 200 anos de uma Constituição feita num país atormentado pelo invasor e que foi — continua sendo — um modelo para a liberdade no mundo.

Falar de Jorge Amado, colega e amigo.
Jorge Amado foi um homem, vivo e eterno, e um homem que, em sua grandeza, não será esquecido. É com certo sentimento de ausência — uma ausência que, para mim, é uma memória indelével, que não se apaga nem se apagará jamais — que venho aqui comemorar os seus 100 anos de nascimento, ocorrido no dia 10 de agosto de 1912. Esta ausência se manifesta um pouco naquela que dizem ser a palavra mais bela da língua portuguesa, saudade, cuja melhor definição que eu conheço é aquela que diz: é uma vontade de ver de novo. Saudade não é añoranza. É um sentimento muito português e brasileiro, mas também galego, definida por Rosalía de Castro — a maior autoridade que podemos invocar — como “el fantasma del bien soñado”. É uma ausência, mas também uma presença, o sentimento de que o ausente está inteiro, íntegro, em nossa percepção do mundo.

A importância da obra de Amado para a promoção da literatura brasileira fora do país.
Jorge Amado é a mais forte presença de escritor na vida brasileira, não só por sua obra inigualável, mas por sua capacidade de agir para construir o bem, e, na visão aberta do mundo, alcançar o coração de cada pessoa, cada leitor ou testemunha de sua vida e das mãos que, sempre aos cuidados de Zélia — Zélia Gattai, sua inesquecível companheira —, estendiam-se em grande generosidade. Ao dizer que é um escritor brasileiro, não posso fugir à verdade de quanto mais regional, mais universal, na expressão de Read.

A obra de Jorge Amado se reinventa.
É difícil dizer novidade de Jorge Amado. Difícil porque dele tudo já falaram. Difícil para mim que fui seu estreito amigo durante toda a vida, porque desperta um batimento mais forte no coração, que toca pela admiração, e toca mais pelo fascínio de sua personalidade e obra. Ele foi uma força da natureza que desceu muito cedo do Norte — assim era a denominação genérica de Norte e Nordeste do Brasil no começo do século XX — para dominar a literatura brasileira.

O primeiro contato com a obra de Jorge Amado.
Eu o li muito moço: o poeta Bandeira Tribuzzi, meu companheiro de mocidade, que queria levar-me para o marxismo, me passou, enrolado num papel de embrulho, de um tipo grosso que já desapareceu do mercado, mas era o único daquele tempo, com prazo fixo de uma semana para ler e depois devolvê-lo para outros que estavam sendo aliciados, como coisa escondida e procurada pela polícia, O Cavaleiro da Esperança, o livro sobre a vida de Prestes, o fundador e lendário chefe do Partido Comunista do Brasil. Comovi-me com o livro e acompanhei a história da Coluna Prestes, de cujos dissolvidos machados de pedra eu ouvira na minha peregrinação pelo interior de meu estado, o Maranhão. Fora uma marcha épica de milhares de quilômetros pelos sertões do Brasil, fugindo da polícia e da natureza. Li também a esse tempo o ABC de Castro Alves. A sedução de Tribuzzi e da obra de Jorge era forte, mas minhas convicções impediram-me de entrar para o Partido Comunista. Foi com esse começo dos livros engajados que iniciei minha leitura da obra de Jorge Amado pela vida inteira.

O início da amizade com o escritor.
Quando o conheci pessoalmente já ele se afastara do PC. Ficamos amigos. Mas eu não esperava que acolhesse meu primeiro livro de ficção, O Norte das Águas, com um entusiasmo que ultrapassava o que podia esperar de sua fama. Os anos nos aproximaram mais, e me integrei ao seu universo familiar.

A maturidade do trabalho de Jorge Amado.
Às vésperas das festas nacionais pelos 80 anos de Jorge, ele publicou um livro delicioso, notável pela mistura de revelação pessoal e histórica, cheia de sabedoria envolta em poesia, Navegação de Cabotagem, talvez menos lido que sua obra de ficção, uma pena, as mais de 600 páginas correm macias.

Como prestar homenagens a Jorge Amado.
Pretendemos que nossa homenagem fale menos de glórias e títulos do que do ser humano que amava a vida e do escritor que a criou no imenso universo de seus personagens. Viver a vida, ao lado da amada, ele o fez, na casa que construiu no Rio Vermelho, na Bahia, e onde batiam os humildes e os poderosos, todos recebidos com o mote: “Se for de paz, pode entrar.”

A política para Jorge Amado.
Jorge foi um militante comunista que chegou a ser deputado constituinte. Costumo dizer que fascinou no comunismo ser uma ideia generosa. Pois essa visão homem igual, fraternalmente unido ao próximo, foi uma constante da vida de Jorge. Àqueles anos todos acreditavam que o caminho da salvação da humanidade era a ideologia..

A decepção com o comunismo.
Ele acreditou no regime comunista como um sistema que uniria os homens. Quando, antes ainda da revelação por Kruschev dos crimes de Stalin, descobriu que o caminho sacrificava a liberdade — estavam em Budapeste, em 1951, sofreu.

Moral da história e justificativa do ser.
Jorge pagou um alto preço por sua independência, por — dizia — “pensar pela própria cabeça”. O patrulhamento ideológico correu alto e forte a anunciar sua decadência como autor, sua submissão à literatura de vendas, e a crítica a encontrar defeitos na sua obra. Na verdade Jorge continuou fiel a si mesmo, foi cada vez mais fiel ao ofício de sua obra de escritor.


O entrevistado. 

José Ribamar Sarney Costa tem 82 anos de idade, é natural de Pinheiro (MA). Formado em Direito, é também jornalista e escritor. Começou com a atividade política no movimento estudantil, ainda no Colégio Marista, em São Luís. Estudou também no Rio de Janeiro e acabou eleito como suplente de deputadi federal, tendo assumido algumas vezes o mandato até ser eleito parlamentar federal. Depois foi levado pelo voto popular a ser governador do Maranhão, sendo eleito logo depois senador da República. Trabalhou pela volta das eleições diretas no Brasil e compôs a chapa vitoriosa com Tancredo Neves, que faleceu antes da posse. Sarney reconduziu o Brasil à democracia e fez um governo voltado ao social. É senador pelo terceiro mandato pelo Amapá e preside o Senado pela terceira vez.

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