sábado, 2 de março de 2013

“A questão das drogas no Brasil não é um caso de polícia, é caso de política pública”



Com muita bagagem acumulada entre estudos e enfrentamento às drogas pelo Brasil e fora dele também, o deputado federal Givaldo Carimbão (PSB-AL) visitou Macapá durante a semana que passou para falar dessa longa experiência e também pedir apoio para a aprovação de uma nova legislação para nortear o enfrentamento à produção e comercialização de entorpecentes no Brasil. Ele visitou os estúdios do programa Luiz Melo Entrevista, da rádio Diário FM, ocasião em que protagonizou uma verdadeira aula de conhecimento a respeito deste tema. O Diário do Amapá publica a seguir um resumo dos principais trechos da conversa radiofônica.

Diário do Amapá – Por que Carimbão?
Givaldo Carimbão – Vem de carimbo mesmo. Como é o nome do Sarney? José de Ribamar. E virou Sarney. Mas é que eu tinha uma loja de carimbos, papelaria e gráfica. Isso há 30 anos. Quando incendiou a minha loja, era o Carimbão. Então me chamavam de Givaldo do Carimbão, do Carimbão, do Carimbão, aí ficou Carimbão. Estou com sete mandatos e o juiz teve até que mudar meu nome.

Diário – Não quer dizer então que o senhor seja daqueles burocratas chatos que acham que o carimbo vale tudo, mais do que uma assinatura?
Carimbão – Eu acho que o carimbo até já acabou hoje. A tecnologia o superou.

Diário – Mas aqui se não tiver com o carimbo não vale nada...
Carimbão – Mas o carimbo sem assinatura não vale.

Diário – É dono de um currículo e tanto na política.
Carimbão – Tive mil votos na primeira eleição, dois mil na segunda eleição, quatro mil votos na terceira, 40 mil votos na quarta, 60 mil votos na quinta, 80 mil votos na sexta e cem mil votos na sétima [falando acelerado].

Diário – Um campeão de votos e daria um narrador esportivo.
Carimbão – Obrigado.

Diário – O senhor veio ao Amapá para falar de drogas. Essa ação que o governo paulista está desencadeando em São Paulo, retirando os drogados das ruas, involuntariamente, não é uma agressão, considerando que vivemos em uma democracia?
Carimbão – Essa é a terceira vez que eu venho ao Amapá, já tinha vindo com o Milhomen e depois com Janete Capiberibe, para alguns encontros pelo Brasil afora. Há 20 anos eu estudo um pouco essa matéria das drogas, que naquela época era a questão do cheira-cola e o Estatuto da Criança e do Adolescente tira a cola. Rapidamente os governos não tomam providências e de repente vem a maconha, daí veio a época do maconheiro. Daí passa à cocaína e chega o crack. Essa o Brasil experimenta há 15 anos, o que levou o país economicamente a despendiar muito dinheiro jogando pelo ralo.

Diário – E depois, deputado?
Carimbão – Eu escrevi dois livros sobre a matéria e tive a oportunidade de ser o relator nacional de políticas sobre drogas. Estudei em 20 países, como Suécia, Holanda, Inglaterra, Alemanha, Portugal, enfim, Estados Unidos, Polônia, Bolívia, estudando oficialmente a política de 20 países pela Câmara Federal. Nós rodamos 27 estados do Brasil para entender todo esse processo. Ao final nós fizemos um relatório de 750 páginas e depois nasceu um livro oficialmente nesta tese, um relatório definitivo para a Política Sobre Drogas no Brasil.

Diário – Que está em que fase?
Carimbão – Está para ser votado, espero que ainda no próximo mês. Foi votado e aprovado por unanimidade na Comissão por 51 deputados que apreciaram a questão do relatório, onde eu proponho, lógico, óbvio, também a internação involuntária. Eu mudo o nome compulsória, por uma questão de nomenclatura, mas é fundamental e importante que a população possa ter serviço público de saúde. Eu tenho dito que isso não é caso de polícia, é caso de saúde pública.

Diário – Por quê?
Carimbão – Eu fui a São Paulo, fiquei três dias dentro de uma delegacia e vários deputados federais ficaram comigo, fomos até à ‘Cracolândia’, passamos dois dias lá, enfim, nós entendemos o seguinte: o Brasil hoje tem 200 milhões de habitantes e a pesquisa mostra que 1% está no uso ativo do crack, 7% da população estão no uso ativo da maconha. Ora, 1% de 200 milhões de habitantes são 2 milhões de brasileiros, 2 milhões de pessoas. Este estado do Amapá tem 700 mil habitantes, então são três estados deste dentro do Brasil fumando crack à esta hora. Imagine três vezes a população do Amapá estar no uso ativo do crack à esta hora. São números que espantam qualquer ser humano e são dados da Fundação Getúlio Vargas, onde nós contratamos a pesquisa para nortearmos o projeto.

Diário – Impressionante.
Carimbão – Em São Paulo são 40 milhões de habitantes, então significa dizer que tem 400 mil pessoas no uso ativo do crack. Mas vamos ver onde está o grande gargalo. O Brasil, em 1970, na Copa do Mundo, quando ficou famosa a canção que dizia “...noventa milhões em ação...”, o Brasil tinha 90 milhões de brasileiros em sua população, hoje temos 190 milhões, ou seja, o Brasil cresceu 111% sua população. Naquele ano, 1970, o Brasil tinha 30 mil presos e hoje tem 550 mil presos, na [mesma] proporção era para ter 70 mil presos, mas o Brasil cresceu 1.600% [por cento] de presos contra 100% da população. Não há estado no mundo que suporte, não há família e sociedade que suportem conviver com esse processo.
Diário – E crescendo.

Carimbão – Crack no mundo, grosso mesmo é em dois países, Brasil e Estados Unidos. Eu andei no mundo, andei no planeta.
Diário – Levar o viciado à força para o tratamento não é o Poder Público se render ao tráfico?
Carimbão – Olha, eu tenho dito o seguinte: eu fui estudar na Bolívia, Colômbia e Peru, três dos cinco países que produzem a droga. Esses três representam 98% da produção de cocaína no mundo, então cocaína é Bolívia, Colômbia e Peru. Heroína é no Afeganistão, em Cabul, ali naquela região são 300 mil hectares, e a maconha propriamente dita é no Paraguai, a melhor qualidade do mundo e a segunda maior produção, e em Marrocos a maior produção do mundo. Ou seja, crack, merla, cocaína é tudo próprio da cocaína.

Diário – E o Brasil?
Carimbão - O problema do Brasil é que o maior exportador do mundo está no Brasil, porque três países, 17.144 quilômetros de fronteira está entre Bolívia, Colômbia e Peru, pegando o Mato Grosso, Mato Grosso do Sul. Rondônia, Acre e uma partezinha daqui ainda. Com a agravante de que o único país do mundo autorizado a plantar cocaína e tem certificado de qualidade é a Bolívia, que está ao lado, colado com o Brasil. É humanamente impossível a olho, se não for a tecnologia, e o Brasil lamentavelmente não tem enfrentado esse problema.

Diário – Como enfrentar o problema?
Carimbão – Tem que haver um tratado internacional. O Brasil não pode ficar omisso, ficar fazendo simplesmente a repressão interna e não fazer um trabalho bilateral entre países produtores e países consumidores, como é o caso do Brasil. Se o Brasil quer enfrentar o problema, a repressão é um dos grandes começos, é muito mais barata para o Brasil.

Perfil..
Entrevistado. Givaldo de Sá Gouvêa, ou simplesmente Givaldo Carimbão, é natural de Itapi (SE), comerciante e político. Atualmente é deputado federal pelo estado de Alagoas, mas antes foi vereador em Maceió (AL) por três mandatos, desde 1989 até 1999, quando passou a exercer sucessivos mandatos de deputado federal. Ele é o autor do projeto Acolhe Alagoas, que trata da questão das drogas. O projeto é uma referência nacional, tanto que já correu o Brasil e outros países pelo mundo para divulgá-lo. Carimbão integra a Comissão Parlamentar de Defesa pela Vida da Câmara dos Deputados. Veio ao Amapá para participar de uma agenda de compromissos oficiais, entre eles visitar o governador do estado.

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