quinta-feira, 14 de agosto de 2014

Blogueiro experiente analisa cobertura da mídia na tragédia de Santos

Tela Plena

Como se constrói uma cobertura jornalística


Por  | Tela Plena – 8 horas atrás

O local do acidente: palco da cobertura jornalística (foto: reprodução)


Uma coisa que você precisa saber sobre jornalistas: eles são bem menos ideológicos do que algumas pessoas querem fazer crer. A notícia está para o jornalista como um paciente está para um cirurgião. Tenta-se fazer o melhor porque é o que deve ser feito. Um evento, seja uma denúncia ou um acidente, cria um processo bastante parecido com uma corrida. No caso, sai na frente quem consegue a notícia inédita, a informação exclusiva, o depoimento em primeira mão. Pontua também quem está melhor preparado para enfrentar eventos inesperados. O acidente de avião que vitimou sete pessoas na manhã de ontem, entre elas o candidato à presidência Eduardo Campos, mostrou que a teoria, na prática, é outra.
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No jornalismo, assim como na vida, nunca estamos preparados para a morte, por mais que pensemos ao contrário. E foi nesse despreparo que começou a cobertura sobre o acidente em Santos. Primeiro veio o boato de que um helicóptero havia caído em um bairro da cidade litorânea. Em seguida o helicóptero se transformou em avião. Não demorou muito para que se descobrisse que os passageiros do avião pertenciam ao staff de Eduardo Campos, o candidato à presidência da República pelo PSB. Entre informações desencontradas, constatou-se que o próprio Campos estava na aeronave.
Um clima de urgência tomou conta de todos os noticiários quando surgiu a informação de que não havia sobreviventes. GloboNews chegou a colocar uma chamada no ar confirmando a morte de Campos. Tirou-a poucos minutos depois e voltou a coloca-la novamente em outros poucos minutos.
Enquanto Record News e GloboNews já estavam no obituário, a repórter da BandNews confirmava que tratava-se de um avião e não de um helicóptero. A falta de timing foi compensada quando a emissora conseguiu um depoimento em primeira mão do senador Cristovam Buarque. Pouco depois, José Luiz Datena passaria a ancorar a cobertura, que foi ao ar simultaneamente pela Band e pela Band News.
A corrida pela notícia também tem suas escorregadelas, que às vezes não são poucas.O repórter da Globo perguntou para Cristovam Buarque (sim, ele deu entrevistas para vários canais): "o senhor, que é de Pernambuco, como acha que o povo pernambucano está recebendo essa notícia?". Ainda na Globo, a repórter quis saber do chefe dos bombeiros, encarregados de vasculhar os escombros depois do acidente, se a chuva ajudava ou atrapalhava os trabalhos.
E aí começou a segunda fase da cobertura: o momento de acionar os especialistas. E eram dos mais variados tipos - peritos em aviação, em meteorologia, em política. A primeira e mais frequente questão era "por que o avião caiu?"; seguida por "Marina Silva irá assumir o papel de candidata do PSB?".
Vale ressaltar que, enquanto em todas as emissoras abria-se espaço para a cobertura - o "Mulheres", na Gazeta; o "Programa da Tarde" na Record - a RedeTV! seguia firme com o programa "Igreja Universal do Reino de Deus" e o SBT mostrava os barracos de "Casos de Família". RedeTV! só passaria a registrar o acidente no "A Tarde é Sua", de Sonia Abrão, e SBT faria um boletim especial lá pelas 16h.
Enquanto isso, o chefe dos bombeiros não aguentava mais responder perguntas óbvias e sem sentido e surgia uma batelada de repórteres e comentaristas com conhecimento em aeronáutica. Era a terceira fase da cobertura, quando jornalistas viram sabujos de caça farejando o ar atrás de vestígios sobre o acidente. Surgem depoimentos de moradores, gravações feitas por rádio-amadores, vídeos de vizinhos. Tudo pode levar ao verdadeiro motivo que levou o avião a cair.
A cobertura ganhou dois tons: Nos canais de notícia, como GloboNews e Band News, o tratamento era analítico - muitos experts e debates. Já em canais como Record e Band o tratamento era dramático e emotivo.
A quarta fase da cobertura ocorreu nos jornais noturnos. Mais ajustados e munidos de informações consistentes, âncoras e repórteres estavam contidos e objetivos. Muitos prepararam especiais, depoimentos, retrospectivas. O SBT recuperou o tempo perdido colocando uma edição especial do "Conexão Repórter" em uma alentada cobertura do desastre.
A quinta fase começa hoje e vai durar até um próximo evento avassalador. Pode parecer cruel, mas assim é a notícia e a vida, que seguem adiante.

Jeferson de Sousa é jornalista há 26 anos. Trabalhou em alguns dos principais veículos do país, como os jornais Folha da Tarde e O Estado de S. Paulo e as revistas Bizz, Contigo, Raça, Viagem e Turismo, Sexy e Playboy, na qual foi redator-chefe por sete anos. Assiste TV o tempo todo, mesmo quando está fazendo outras coisas. Acredita que pode existir vida inteligente na telinha, embora muita gente se esforce para extingui-la.

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