domingo, 6 de junho de 2010

A violência está relacionada ao consumo, diz bispo católico

Depois de passar uma década atuando no sul do Pará, nos difíceis anos dos conflitos pela reforma agrária, o italiano Pedro Conti, foi designado para ser o bispo de Macapá, uma comunidade que o acolheu com a habitual hospitalidade tucuju, mas que também aprendeu a respeitar as lições de vida espiritual do atual dirigente dos católicos amapaenses. Forjado no contato muito próximo das comunidades interioranas, do convívio com os problemas urbanos e sobretudo no diálogo permanente com seus pares na Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), o bisco Conti também não hesita em ir à sua santidade o papa Bento XVI em Roma, com o fez em abril deste ano, na chamada “Visita Ad-Limina”. Dom Pedro também esteve em Brasília, na assembleia geral da CNBB, ocasião em que tratou dos mais atuais temas da igreja, como os remanescentes conflitos rurais, a violência, os casos de desvio de conduta de padres e, é claro, das estratégias para continuar a missão evangelizadora da maior igreja do mundo.

"Não é que gostamos de criticar, mas é porque enxergamos o bem maior para todos. Certos desvios, desonestidades, não são tolerados em uma sociedade que deveria ser regida pelo Direito e não pelo interesse corporativo ou individual"

Diário do Amapá - O senhor acaba de participar de uma importante reunião em Brasília, da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil. Qual o principal foco desse encontro, dom Pedro?

Pedro Conti - O primeiro assunto foi a palavra de Deus, pois estávamos esperando a chamada Exortação Apostólica que o papa sempre faz após o Sínodo dos Bispos, que aconteceu em outubro de 2008, então geralmente um ano depois vem a exortação, que ainda não chegou, por isso nós os bispos do Brasil acabamos não fazendo o documento da confe-rência episcopal, que depois resultaria na carta do papa. Nós achamos mais prudente e correto esperar primeiro essa carta do papa para depois aculturar, vamos dizer assim, a carta do para em nossa realidade no Brasil.

Diário - Mesmo assim o encontro dos bispos produziu um documento final, uma espécie de carta?

Pedro - Resolvemos fazer uma mensagem onde lembramos o valor da palavra de Deus, porque é bonito, estamos na campanha do milhão de bíblias, da leitura dela, dessa missão continental que a Conferência de Aparecida propôs para toda a América Latina. A igreja hoje deve ter a coragem de anunciar. O lema é ser discípulos e missionários, ou seja, ao mesmo tempo ser discípulo e escutar a palavra mas também ser missionário, que comunica essa palavra, senão a fé morre conosco. Devemos acreditar que é uma boa notícia, que deve ser retransmitida.

Diário - Então o que deveria ser o tema principal da conferência acabou não ocorrendo devido ao atraso no envio do documento do Vaticano?

Pedro - Exatamente, mas durante a Visita "ad-limina" (visita ao Vaticano) que eu também tive a graça de participar, com outros bispos do Norte 2 (Pará e Amapá), nós estivemos com o papa e cobramos dele a exortação, em abril, quando o papa falou que estava pronta, só que não chegou ainda, por isso vamos ter paciência e aguardar. Logo que chegar nós auto-rizaremos como assembléia o Conselho Permanente da CNBB para elaborar um documento que faça o que nós não conseguimos fazer lá em Brasília. Esse documento trará novidades, pois sabemos que cada papa tem a sua sensibilidade, como por exemplo, a última carta que ele escreveu sobre economia. Claro que continua o ensino social da igreja, mas cada papa vai tentando atualizar, com alguma proposta, alguma dica, uma maneira de ver as coisas e enfrentar os problemas, fruto da inspiração do Espírito Santo, neste momento da história, com este papa, com esta igreja.

Diário - O fato do papa ter escrito essa carta sobre economia tem alguma relação com a escolha do tema da Campanha da Fraternidade deste ano, pela CNBB, que também trata das questões relacionadas à economia?

Pedro - Propriamente o tema já estava escolhido, pois era uma campanha ecumênica, agora o fato de ter saído a carta do papa permitiu também ter algumas citações no documento da campanha da fraternidade.

Diário - Voltando então ao encontro de Brasília, como os bispos retornaram para suas dioceses, sob o ponto de vista da missão, da motivação para continuar a missão?

Pedro - Um outro tema que dominou os debates foram as Comunidades Eclesiais de Base, as famosas CEB's. Claro que os tempos mudaram, não são mais os anos 70, 80, mas nós reconhecemos que as CEB's estão vivas e alguns bispos do norte, inclusive eu, foram lá defender as CEB's pela simples razão de que as nossas igrejas vivem das Comunidades Eclesiais de Base. O que seria da nossa igreja se não tivéssemos as CEB's espalhadas nas ilhas, no interior, nas beiras dos rios, nos caminhos da mata, todas essas comunidades onde está o povo, apesar de todas as dificuldades de ser alcançado, mas que recebe o trabalho de evangelização e testemunho da fé.

Diário - O senhor falou nas CEB's relembrando os anos 80, o que nos faz lembrar de sua passagem pelo Sul do Pará, onde viveu tempos difíceis mas de vitórias importantes no trabalho especialmente durante as lutas pelas terras não é mesmo?

Pedro - É, eu cheguei no sul do Pará em 1996. O último mártir de Rio Maria foi em 1991, o famoso Expedito, por isso eu herdei um pouco daquela atmosfera que era de respeito pelas lutas pela terra. Eu digo isso, infelizmente, tenho que usar essa linguagem que não é nem muito fraterna nem evangélica, mas o direito a propriedade nem sempre é visto como um compromisso social, uma obrigação social. Esta é a doutrina social da igreja, ou seja, a propriedade particular não é propriamente minha. É minha, mas deve estar também a serviço dos outros, pois a terra é um daqueles bens que se é bem usada dá vantagens, dá lucro, como o agronegócio e companhia, mas também dá sustento a quem vive na terra.

Diário - Mas do ponto de vista pessoal, como foi viver essa experiência?

Pedro - Graças a Deus não teve mais mártires depois daqueles anos difíceis, mas continuava a luta no campo, agora pelo trabalho que fosse escravo ou degradante, pois tinham trabalhos que não configuravam escravidão, mas que eram degradantes, pois as pessoas eram levadas lá para trabalhar e nem sempre eram respeitadas, as condições eram mínimas, com famílias inteiras. Por isso quero dizer que as comunidades espalhadas pelo interior, sobretudo onde a agricultura é fonte de sustento para as famílias, que se enraízam na terra, essa é uma luta muito grande que não se façam também os pequenos da terra um comércio, do lucro e não do sustento digno da própria vida. É um trabalho bonito e vamos ver se no Amapá também, nos assentamentos e tudo mais, são para os agricultores ou quem quer trabalhar na terra.

Diário - Não há mais mártires, como o senhor disse, mas ainda há muitas demandas pela distribuição das terras. Como a igreja vem acompanhando tudo isso?

Pedro - É não tem mais mártires, mas tivemos ainda a irmã Doroth, que foi assassinada exatamente um dia antes que eu chegasse aqui no Amapá, em 2005, por isso vou lembrar desta data a vida inteira. Mas exatamente é ter uma visão grande, ampla, bonita, positiva, enfim, cheia de esperança a respeito da reforma agrária. Claro, repito, que cada vez me convenço mais, que ela deve ser feita com quem quer traba-lhar na terra. Quem quer ganhar um chão para depois ganhar mais e mais, até acabar dependendo do governo através dos vários fomentos que recebem por aí, não serve para a reforma agrária e não vai produzir também nada.

Diário - Sempre que a igreja eleva o tom das críticas, seja nessa questão das terra, seja na política partidária mesmo, a classe política torce o nariz, seja pela fala do bispo, pela homi-lia de um padre em uma determinada comunidade. Como a igreja encara esse papel de ajudar na conscientização política, especialmente em dias de movimento pelos fichas limpas?

Pedro - Esse foi outro tema que tomou um bom tempo dos debates da assembléia da CNBB. Um das polêmicas foi sobre os direitos humanos, onde a igreja também tem algo para defender, pois é a vida. O próprio Conselho da CNBB fez um documento sobre a política, pois a tentação é que cada vez que acontece um escândalo, uma complicação, uma desonestidade, aí logo se faz uma denúncia. O próprio presidente da CNBB disse que o perigo é cair no denuncismo, e a igreja fica aí como se fosse... a...

Diário - A palmatória do mundo?

Pedro - Não é porque é muito mais do que isso. Ser consciência crítica. Não é que gostamos de criticar, mas é porque enxergamos o bem maior para todos. Certos desvios, desonestidades, não são tolerados em uma sociedade que deveria ser regida pelo Direito e não pelo interesse corporativo ou individual. Daí o excelente documento do Conselho Permanente da CNBB sobre a política, que fala sobre a reforma do Estado, da reforma até das eleições, enfim, tantas coisas bonitas que percebemos que é urgente fazer, para não deixar o que é público nas mãos de poucos e não ter praticamente participação do povo. Se vota a cada quatro anos e depois sabe lá, pois é como entregar um papel em branco. Isso não é bom, nem para os políticos eleitos, nem para o povo, que acaba se desinteressando e não participando, que não é só fiscalizar e dizer o que queremos. E que os políticos entendam que recebem o mandato do povo, então o mandato não é deles que não podem fazer o que bem entenderem.

Diário - Outro tema da atualidade é a violência. Recentemente o caso da chacina de uma família inteira dentro de casa deixou a sociedade amapaense chocada, assustada mesmo, tanto que as pessoas estão redobrando os cuidados com a segurança. O senhor como chefe da igreja católica aqui no Estado pode transmitir que tipo de mensagem?

Pedro - Eu soube disso quando estava em visita pastoral pelo interior, mas achei tudo muito triste. Mas nós não devemos perder a esperança, pois se a humanidade fosse perdida e não tivesse mais jeito como se pode pensar, Jesus Cristo não teria vindo para nos salvar, quer dizer, pagou caro este amor com a humanidade, que foi à cruz, deu a vida para nos ensinar o caminho do amor. É daí que nós temos que começar. Digo isso como um apelo a todos nós. Que os pais falem de paz para os seus filhos. Que os vizinhos vivam em harmonia com os outros. De outro lado também temos essa cobiça desenfreada pelo dinheiro, do ganho, de querer passar por cima do outro, então também temos que nos educar também devido à circunstância histórica do planeta Terra que também que é esse consumo, esses gastos, que não vai ser sempre assim. Teremos que vi-ver uma vida mais simples, mais sóbria também que é mais salutar e redescobrir aqueles valores perdemos um pouco.

Diário - Coisas do capitalismo, o senhor diria?

Pedro - É assim: achamos que estamos realizados quando compramos alguma coisa, quando temos muitos bens, mas a paz não se realiza com os bens. A paz e a convivência fraterna se realiza com a capacidade justamente de ver no outro não um inimigo, mas um amigo. Eu sei que é difícil, pois às vezes se paga isso com a vida. Acabei de ler no noticiário que foi assassinado a facadas um bispo na Turquia, então quer dizer a violência está no mundo inteiro e por vezes até contra pessoas que supostamente trabalham pela paz. Vamos unir as forças, com a família, com a educação, pelos meios de comunicação, enfim, precisamos pensar muito bem as coisas, reavaliar, e isso passa pelas igrejas, para que todas elas falem da paz.

Diário - Uma publicação recente analisa os casos envolvendo desvios cometidos por padres fazendo uma relação também com os casos envolvendo policiais pelo mundo, alegando que se trata de uma minoria ínfima em relação ao contingente que segue as regras. Esse tema também foi tratado na assembléia da CNBB em Brasília?

Pedro - Foi e ocupou até bastante tempo. Não tanto pelo número, que graças a Deus não é excessivo, mas justamente porque temos que tratar esses casos, e o papa nos deu o exemplo, no sentido de que não é papel da igreja somente defen-der, entre aspas, os padres que podem ter feito isso ou de alguma forma tentar resolver o problema dos padres. O que o papa sugere é olhar com mais carinho as vítimas disso. É preciso que a igreja se coloque porque é a mãe de todos e não só porque o padre faz parte da corporação, digamos assim que está errado, mas é só para o povo entender. Os outros também são filhos de Deus e foram as vítimas, infelizmente, em situações quando eram crianças, mas que marcaram a vida inteira. A igreja deve mostrar nesse momento não apenas a vontade de arrancar o joio, digamos assim, pela raiz, se libertando disso, mas di-zer aos padres e a todos os consagrados também que estão no caminho errado. Sobretudo devemos manifestar o carinho, a solidariedade, a paciência, o amor e o acompanhamento com todos esses casos.

Diário - Houve algum indicativo sobre as melhores formas de prevenção para esse tipo de problema?

Pedro - Percebemos também que existem problemas psicológicos muitas vezes, então a prevenção deve começar na escolha dos candidatos ao sacerdócio, é possível, mas a igreja também deve ser prudente, não pode achar que é fácil, infelizmente, são situações onde a pessoa que está envolvida ela sofre também por causa disso e às vezes não se controla. Por isso tem que ser honestos e saber que essas pessoas também colaborem, reconhecendo as suas dificuldades. É uma dificuldade também, fazer o que, e as pessoas devem admitir isso. A igreja deve acolher maternalmente ou paternalmente esses nossos irmãos que também são sofredores e também quem foram as vítimas que sofreram por causa desses abusos.


Perfil


"O Italiano Piergiuseppe Conti, que no Brasil assina Pedro José Conti, nasceu na cidade de Brescia, no dia 10 de outubro de 1949, filho de um operário e de uma dona de casa. Teve apenas uma irmã e foi ordenado padre no dia 12 de junho de 1976, sendo um padre diocesano, ou seja, não integrava o PIME (Pontifício Instituto de Missões Estrangeiras). Mas acabou desembarcando no Brasil, mais particularmente na Amazônia, no dia 11 de novembro de 1983, designado para atuar em Bragança, no Pará, onde atuou por 11 anos. Foi consagrado bispo no dia 18 de fevereiro de 1996, passando a atuar em Conceição do Araguaia, também no Pará. Em 2005 foi transferido para a Diocese de Macapá, após o falecimento do titular dom João Rissati."


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