domingo, 18 de maio de 2014

“Sem o mínimo de instrução, os jovens tendem a cair no mundo da violência”

Advogado. Wagner Gomes passa a limpo as grandes questões relacionadas à violência e criminalidade no país.
Um homem de fala mansa, trato fácil e muito simpático. Mas que é capaz de sucumbrir às lágrimas ou travar embates homéricos, quando está com a beca, no púlpito do Tribunal do Júri, seu habitat natural por assim dizer. Mas o advogado Wagner Gomes é mais que isso, é uma das vozes mais respeitadas na hora de tomar partido sobre os grandes temas da atualidade e na defesa dos interesses do estado e do cidadão. Em uma semana de novos debates a respeito da violência, o Diário do Amapá quis beber da fonte, por assim dizer, coletando reflexões de um dos mais experientes criminalistas em atuação no Amapá sobre esses e outros temas da carreira do Direito. Acompanhe os principais trechos a seguir.

Cleber Barbosa
Da Redação

Diário do Amapá – O senhor é tido como um dos mais conceituados advogados criminalistas em atuação no Amapá, dono de uma longeva carreira, então está vendo como toda essa movimentação dos mais diversos segmentos da sociedade em debater a violência?
Wagner Gomes – A questão da violência é bastante antiga, ela começa quase com a própria sociedade. A violência tem que ser combatida principalmente com educação e grandes projetos sociais, onde se possa dar ao jovem principalmente condições para que ele possa buscar qualidade de vida, um trabalho digno, vejo essa duas condições para que esse jovem possa estudar e buscar condições de criar uma família com razoáveis condições.

Diário – A população carcerária do Amapá é essencialmente jovem, na casa dos 18 aos 26 anos. Isso tem a ver com essa questão de falta de oportunidade a que o senhor se refere?
Wagner – Com certeza. O que se vê quando se vai na Penitenciária é isso. Agora é importante dizer que isso não é de hoje. Eu conheço a Penitenciária desde quando ela foi construída, pois sou do tempo da advocacia ainda da Colônia Penal do Beirol, que recebia os presos, então tenho acompanhado isso pari passu, então é muito triste fazer essa constatação, de que a maioria é jovem. São jovens que se agridem, que agridem outros jovens, tendo principalmente o tráfico de drogas, o roubo ou assalto como se diz, ou ainda praticando homicídios. E não existe no meu ponto de vista o chamado crime organizado. É a falta de educação, é a falta de oportunidade. A maioria desses jovens tem um mínimo de instrução, então tende a cair na violência, no crime principalmente atraído pela promessa de lucro rápido nas drogas.

Diário – Muitos acabam entrando nisso ao experimentar a drogas?
Wagner – Exatamente, o traficante dá a primeira dose, seja do pó, do crack ou da maconha, vicia o jovem e isso o transforma como se fosse o aviãozinho dele [o traficante] e isso é uma armadilha para o jovem.

Diário – Por falar em jovens, tem sido verificado no chamado modus operandi dos criminosos aqui no Amapá o uso de jovens e até menores de idade nesses grupos criminosos que praticam assaltos ou mesmo no tráfico de drogas. Isso leva à discussão da redução da maioridade penal, qual sua opinião a respeito?
Wagner – O Senado Federal colou para a pauta na próxima semana apreciar novamente a questão da menoridade penal, portanto é um tema que se pode dizer recorrente. Há quem chegue a dizer que a menoridade é uma cláusula pétrea, argumentos a favor da menoridade penal e outros contra, mas particularmente eu acho que isso poderia ser dirimido com um plebiscito, que pé um instrumento que a Constituição Federal agrega dentro do seu seio. Eu defendo que após uma campanha bastante exaustiva através dos meios de comunicação, abrindo espaço para os que são contra e os que são a favor. Depois disso a população legitimaria através deste plebiscito essa questão, é uma consulta popular. Eu acho que essa é a grande solução.

Diário – Este semana que passou o CNJ promoveu em todo o país um mutirão de julgamentos de acusados de crime de homicídio e a Justiça do Amapá mais uma vez foi destaque por estar em níveis muito acima da média nacional, por não levar tanto tempo para julgar esses casos. O que o senhor acha do nosso aparelho da Justiça Estadual?
Wagner – Uma das mais céleres do país, com certeza. Nós temos dois juízes na Vara do Tribunal do Júri, o doutor João Lages e o doutor Luiz Hausseler, que fazem um excelente trabalho e digo por experiência própria, por vivência mesmo, pois temos ainda a ajuda dos defensores públicos, dos advogados, enfim, todos agindo para que no máximo em dois anos os processos de crime de homicídio sejam julgados. É claro que existem também aqueles casos em que a pessoa comete o crime e antes de ser citadas deixa o distrito da culpa. Mas hoje em dia existe o julgamento mesmo sem a presença do réu, basta que tenha sido citado anteriormente. Hoje em dia a lei estabelece e aqui nós temos essa boa vontade, dos juízes, dos serventuários, dos promotores e todos aqueles que atuam no Tribunal do Júri, dentre os quais eu me incluo, fazendo com que estejamos vivendo um grande momento neste setor. Devo aqui também louvar a atuação dos defensores públicos, que na ausência dos advogados realizam este serviço com grande competência.

Diário – E sobre a sua entidade de classe, a Ordem dos Advogados do Brasil, que o senhor exerce grande liderança já tendo inclusive presidindo a OAB por várias oportunidades e sempre foi um defensor de que ela se posicione diante dos fatos mais relevantes da sociedade, como é isso?
Wagner – Nós sempre tentamos pautar esses momentos para colocar a OAB a serviço da sociedade. Lembro-me de certa oportunidade quando a OAB tinha surgido a lei dos direitos coletivos, digamos assim, nós entramos com a primeira ação cível pública visando acabar com a taxa de iluminação pública que nós considerávamos e eu particularmente considero até hoje como uma bitributação. Então você paga pela energia que consome em casa e também pela iluminação pública e a Constituição Federal e o Código Tributário vedam isso, então ainda é preciso lutar contra isso.

Diário – Durante seu período à frente da OAB também era forte a mobilização política, de esclarecimento da população não é?
Wagner – Sim, nós participamos do movimento ‘Diretas Já’, que era um anseio de toda a população, além de outras importantes ações. Hoje vejo a nossa Ordem tendo à frente o doutor Paulo [Campelo] dando uma contribuição e uma condução muito sabiamente, fazendo essa campanha contra a violência. Lembro que em 1987 e 1988 nós fizemos também junto com a Pastoral Carcerária, unidos com os movimentos sociais, resultando em uma cartilha que ficou famosa inclusive dentro do aspecto da OAB que era “Você e a Violência”, que mostrava o que é a violência e como se proteger dela, além de orientar sobre como buscar os seus direitos, pontando os órgãos competentes. Então vejo hoje a nova direção da OAB dando continuidade a tudo isso, claro, em comum acordo com as novas tecnologias e os costumes.

Diário – Já que estamos passando a limpo sua trajetória na advocacia, ter participado da Comissão da Verdade, um desiderato do Congresso Nacional, tem que importância para o senhor?
Wagner – Eu me sinto muito honrado por ter sido o primeiro presidente escolhido pelos meus pares para exercer uma função rotativa, diga-se de passagem, não remunerada, mas acima de tudo de grande relevância mesmo. Mas também a nível nacional o Conselho Federal da OAB junto com a Câmara dos Deputados e outras entidades no final de 2012 iniciaram esse processo e eu fui o único escolhido aqui no Estado para receber uma honraria dentre os advogados de todo o Brasil que tinham lutado a favor dos presos políticos e também dos perseguidos políticos, então pra mim foi uma grande honraria mesmo, algo que me tocou profundamente ter sido o primeiro presidente da Comissão da Verdade aqui no Estado do Amapá.

Diário – Obrigado por sua entrevista.
Wagner – Eu que agradeço. Foi um depoimento sincero de uma pessoa simples e quem me conhece pode corroborar com tudo aquilo que eu disse, com certeza.

Perfil

Entrevistado. Jorge Wagner Costa Gomes tem 61 anos de idade, é casado e pai de três filhos. Formado em Direito pela Universidade Federal do Pará (UFPA), em 1977, é advogado militante há 37 anos no Amapá, considerado um dos mais respeitados tribunos, ou seja, aquele causídico que se sobressai no Tribunal do Júri, praticamente sua segunda casa. Foi presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-AP), Seccional Amapá, duas vezes no período do Território Federal do Amapá e outra já como Estado do Amapá. Tamanha popularidade e destaque o fizeram tentar a política partidária, alcançando uma honrosa segunda colocação na disputa pelo Senado Federal. Também já foi por duas vezes indicado ao desembargo.

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