quarta-feira, 4 de fevereiro de 2015

REPORTAGEM ESPECIAL: Manganês põe o Amapá na era industrial

Vista aérea da vila de Serra do Navio com as minas de manganês ao fundo, nos anos 1990.
A trajetória do maior projeto mineral da Amazônia em seu tempo – a mineradora Icomi – ainda hoje é lembrado como divisor de águas para o desenvolvimento do Amapá.

Por Cleber Barbosa, para a Revista Diário

A Icomi extraiu ao longo de quase 50 anos no Amapá mais de 10 milhões de toneladas de manganês, o que equivale a 80% da produção nacional deste minério, considerado estratégico na época da Guerra Fria entre Rússia e EUA, por conta de servir para a blindagem de carros de combate e até navios de guerra. As jazidas foram descobertas em 1946, por um caboclo chamado Mário Cruz, hoje o nome de uma avenida histórica bem no centro de Macapá. E a cidade deve muito ao manganês. Ela cresceu e apareceu desde então.
Após a descoberta da existência de manganês na Serra do Navio, o processo até o primeiro embarque do minério passou pela chancela de cinco presidentes da República. O primeiro foi Getúlio Vargas, que decretou as jazidas como reserva nacional. Mas coube a Juscelino Kubitschek vir ao Amapá para a inauguração. Era a Icomi quem deveria explorar as minas, depois de vencer o certame licitatório internacional de forma marcante. Surgia a figura de um nacionalista, um homem à frente de seu tempo. Era Augusto Trajano de Azevedo Antunes, que aplicou no projeto conceitos de sustentabilidade quando isso ainda nem ditava a moda “ecologicamente correta” na política ou nos negócios.
Na verdade Antunes pilotava um consórcio formado pela brasileira Icomi S.A. e a norte-americana Bethlem Steel Company. Apesar dos gringos terem financiado o projeto, Antunes não abriu mão do controle acionário, ficando com 51%. Essa exigência foi aceita pela Casa Branca que, afinal, estava atrás de um país amigo para fornecer-lhe manganês, visto que a Rússia impunha o boicote.
O minério de manganês ainda hoje desperta interesse de vários países nas reservas existentes.
COMEÇO
A saga do brasileiro Augusto Antunes começou  na capital paulista, onde foi carteiro até  se formar em engenharia civil pela Politécnica de São Paulo. Depois mudou para Minas Gerais, quando iniciou a extração de minério ainda rusticamente, com alguns operários munidos de pás e picaretas, na Icominas, a precursora da Icomi.  Era uma jazida de ferro no pico do Itabirito, origem da Mineradores Brasileiros Reunidos (MBR), que passou a controlar alguns anos depois. Falava muito bem inglês – o que ajudou muito a buscar parceiros nos Estados Unidos – assim que soube da descoberta de manganês no então Território Federal do Amapá, em plena floresta amazônica.
Para garantir que uma empresa brasileira tivesse o direito de explorar as jazidas, Antunes fez o que se definiu como uma defesa candente do capital nacional e acabou levando a concessão. Dava início ali a construção de um verdadeiro império industrial. Ele fundou depois a holding Caemi, que diversificou seus negócios por vários setores. De salsicha, a papel, vendeu também madeira, aços especiais, energia. Antunes também adquiriu participações na indústria de alimentos Swift-Armour, na Aços Anhanguera, na Brumasa (madeira e compensados), na Capp (agropecuária). Enveredou pelo setor de táxi aéreo e foi instado a assumir o controle do Projeto Jari, em 1982, a lunática aventura que o bilionário americano Daniel Keith Ludwig lançou no Pará em 1967.
Antunes capitaneava um grupo de 23 empresários que, com dinheiro do BNDES, tentava salvar o Jari, abandonado por seu criador já desgostoso em 1980. A Jari Celulose sobreviveu nas gestão dos netos de Antunes, Guilherme e Mário Freming até 1999. Com uma dívida de R$ 300 milhões, repassaram por simbólico R$ 1 real o problema para o grupo Orsa, de São Paulo.
Augusto Antunes, empresário brasileiro fundador da Icomi e do império chamado Caemi.
LEGADO
Augusto Antunes morreu em 1996, aos 89 anos, vítima de ataque cardíaco. No Amapá,  teve muito reconhecimento, mas a nível nacional e até internacional, virara um mito. Ele chegou a ser exaltado como o “Mauá do século 20”, referência a Irineu Evangelista de Souza (1813-1889), um empreendedor fervoroso, considerado uma das personalidades mais importantes e influentes do Segundo Reinado no Brasil. E Antunes foi além.
Aplicou conceitos de sustentabilidade, especialmente no projeto do Amapá, o de maior visibilidade, onde trouxe o padrão americano de moradia, controle sanitário e de zoonoses. O esgoto da bucólica vila de Serra do Navio era todo tratado antes de ser devolvido ao rio. A Icomi adotava rigoroso programa de gestão com qualidade, que passava por proporcionar lazer, entretenimento, saúde preventiva e qualificação de mão de obra.
Seus empregados costumavam fazer carreira na companhia, iniciando como braçais e depois passando por cursos até de alfabetização e treinamento profissional em outros ofícios.
E Antunes também se adaptava. Nos cursos de alfabetização para adultos, em Serra do Navio, mandou desenvolver os livros junto aos maiores especialistas em linguística, para que retratassem a fala cotidiana dos caboclos recrutados no Amapá e arredores. Até mesmo as residências funcionais passaram por adaptações do projeto original, como acesso extra para as casas dos funcionários mais humildes, que eram não tinham a cultura de usar banheiros dentro de casa.
Projeto Icomi na Serra do Navio fez a extração de mais de 10 milhões de toneladas de manganês nos 50 anos de atividade da empresa fundada por um empresário à frente de seu tempo, que foi Augusto Trajano de Azevedo Antunes, um gênio dos negócios.
FAMÍLIA
Augusto Antunes teve apenas dois filhos, Beatriz e César. Ela tem mais de 80 anos e mora no Rio de Janeiro. Ela deu três netos a Antunes, Fábio, Mário e Guilherme, este dois últimos os sucessores do avô na Caemi. O outro filho era César, que morreu em 1970, uma das grandes frustrações do empresário. Cesar deixou três filhos, Alexandre, Stella e Suzana. Toda a família ficou muito bem de vida após o passamento de Antunes. A imprensa especializada estima que ninguém ficou com menos do que o equivalente a US$ 48,4 milhões cada um.
Os netos Guilherme e Mário chegaram a tocar o grupo e ensaiaram algum resultado, mas os sucessivos erros de estratégia começaram a minar o império herdado de Augusto Antunes. Acabaram optando por repassar o controle do grupo,  para a Mitsui e a BHP.  Já a Fundação Caemi, outra grande sacada de Antunes, foi vendida para a Fundação Bradesco. Esse braço previdenciário do grupo era para garantir uma aposentadoria mais tranquila aos empregados. Para se ter uma ideia, quem se aposentou pelas empresas de Antunes, recebe – ainda hoje – o salário pago pelo INSS e uma complementação da Fundação, corrigida três vezes por ano.
O edifício Caemi, na praia de Botafogo, no Rio de Janeiro, ainda hoje empresta referência de sucesso para o mundo dos negócios no Brasil e fora dele.
LIÇÕES
Antunes gostava de dizer que dois estadistas marcaram profundamente a sua vida:  Gamal Abdel Nasser (1918-1970), o presidente egípcio que fechou o Canal de Suez em 1956, dificultando as exportações da Índia de manganês e disparando o preço no mercado. E Nikita Kuruchev (1894-1971), primeiro ministro soviético, porque com a Guerra Fria cancelou a venda de manganês para os Estados Unidos, fazendo subir vertiginosamente o preço do minério, viabilizando ainda mais a exploração no Amapá.
Também gostava de citar Guimarães Rosa, que dizia: “Sábio não é quem sabe muito, é quem aprende rápido”. Em 1965, criou a MBR –Minerações Brasileiras Reunidas, hoje com a Vale, resultado da junção de reservas da Caemi e da St. John Del Rey Mining.

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