quinta-feira, 29 de julho de 2010
Popó: "Tem artista passando fome no Amapá"
Ele é polêmico, falante, direto para não dizer contundente, mas também é um batalhador da causa cultural. De ator autodidata a presidente do Conselho Estadual de Cultura, João Porfírio Freitas Cardoso, o Popó, agora faz planos para editar novos tempos para a política cultural do Amapá. Na bagagem, traz as experiências de ter sido parlamentar, diretor e produtor teatral, além de muitas histórias para contar, que o credenciam a lançar uma visão crítica sobre como vê o atual estágio de desenvolvimento da cultura local. Nessa entrevista exclusiva comcedida ao Diário do Amapá, Popó demonstra visão macro mas também a habitual metralhadora verbal sobre o que considera atraso e morosidade para uma distribuição das verbas públicas para a cultura. Acompanhe os principais trechos da conversa mantida ontem com o jornalista Cleber Barbosa.
Diário do Amapá - O senhor acaba de assumir a presidência do Conselho Estadual de Cultura, teve a primeira semana de atuação, portanto, então o que já é possível dizer sobre como encontrou esse importante colegiado?
João Porfírio - Bem, nós já entramos no conselho sabendo que iríamos fazer os conselheiros. O nosso primeiro ato foi tomar pé do regimento interno, das re-soluções e agora a nossa briga é pela criação do Fundo Estadual de Cultura, uma luta nossa de alguns anos. Esse fundo vai democratizar a cultura do Estado do Amapá, pois a gestão dele será feita por um comitê paritário, com seis membros do poder público e seis membros da sociedade civil eleitos pelos segmentos culturais. Depois nós queremos que esse conselho atenda a uma proporcionalidade da população do Estado, ou seja, Macapá que tem o maior contingente populacional vai receber a maior fatia, Santana que tem o segundo maior contingente, receberá a segunda maior fatia e assim sucessivamente.
Diário - Com isso o senhor espera movimentar o segmento cultural nos municípios?
Porfírio - Isso significa dizer que o dinheiro está muito concentrado em Macapá e com essas medidas esses recursos irão se democratizar pelo Estado do Amapá como um todo. Cutias vai receber sua parcela, assim como Itaubal (do Piririm) vai receber a sua parcela, Pedra Branca também, enfim, todos os municípios vão poder ter recursos e acessar o Fundo através de edital para poder realizar suas políticas culturais a nível de município.
Diário - Como vai se dar a composição financeira desse fundo? Dá para projetar o valor global desses recursos?
Porfírio - Existe uma PEC (Proposta de Emenda Constitucional) no Congresso Nacional, que é a PEC 150, já aprovada na Câmara e que já está no Senado, na Comissão de Educação, que tem tudo para ser aprovada na próxima legislatura, pois já é um compromisso do Go-verno Federal, que destina 1,5% do orçamento federal, 1,5% do orçamento estadual e 1% dos governos municipais. Por aí você percebe que o orçamento do Amapá chegaria a quase R$ 32 milhões para a área cultural. Mas nós aceitamos que esse repasse seja feito de uma forma progressiva. O governo do Estado entraria com 0,5% este ano, 1% no ano que vem e em 2012 entraria com o teto de 1,5%.
Diário - Como isso pode ser garantido desde já?
Porfírio - Nós não podemos ser intransigentes hoje. O país ainda se encontra em certa crise, mas nós temos que tratar a cultura como a gente trata as estradas, como a gente trata a educação, como trata a saúde. Nos grandes países como a Inglaterra, a França e outros, só cresceram porque também investiram no setor cultural. Não se pode pensar em turismo sem se pensar em cultura, assim como não se pode pensar em educação sem se pensar em cultura e turismo. Então nós acreditamos que criando esse aparelho nós vamos democratizar e dar cidadania aos artistas amapaenses.
Diário - E depois disso, qual o próximo objetivo a ser alcançado com o novo Conselho Estadual de Cultura na coordenação?
Porfírio - O próximo ponto é trabalharmos para a reformulação da Lei Estadual de Incentivo à Cultura. Essa lei financiou em cinco anos apenas dois projetos. Tem que ter uma dedicação e uma força tarefa em cima dela. Nós queremos reformulá-la e para isso estou conversando com a secretária de Cultura do Rio (de Janeiro), assim como com o secretário de Cultura de Minas (Gerais), onde as duas leis funcionam. Queremos trazê-los aqui para fazermos um grande fórum esta-dual no mês de agosto ou setembro para a reformulação da lei. Queremos também trazer para este avento as áreas de patrocínio de grandes empresas no Brasil como a Petrobras, que é a maior pagadora de impostos no Amapá através da Petrus.
Diário - Qual é a estratégia para atrair esses investimentos?
Porfírio - Nós não podemos nos dar ao luxo de perder entre R$ 6 milhões a R$ 8 milhões por ano da Lei de Incentivo à Cultura porque a classe artística não consegue acessar essa renúncia fiscal no Estado do Amapá. Depois disso queremos trabalhar o sistema estadual de Cultura, que passa pela lei, passa pela Secretaria Esta-dual de Cultura, que está criada, passa pelo conselho paritário, que também está criado, e passa pelo Fundo Esta-dual de Cultura. Além disso, queremos criar o Plano de Cultura. Depois que nós resolvermos tudo isso, nós vamos começar a pensar em fazer uma grande política cultural no Estado do Amapá. Aí nós vamos fechar um ciclo de legislação.
Diário - Como isso pode ser garantindo exatamente num ano como o de 2010, que é de transição de um go-verno para outro?
Porfírio - Nós não podemos ter no Amapá política de governo, mas sim ter política de Estado, porque o governante quando termina o seu mandato ele sai e leva essa política. O outro que entra acha que o antecessor fez tudo errado. Mas se for uma política de Estado, quem entrar vai ter que cumprir essa política de Estado. Pode mudar os atores, mas a política é a mesma, ou seja, ele teria que cumprir o 1,5% do orçamento para o Fundo (Estadual de Cultura). Depois disso nós vamos descer para os municípios.
Diário - Como isso pode ser operacionalizado sem incorrer em invasões de competências?
Porfírio - Nós vamos realizar dezesseis audiências públicas nos municípios, chamando prefeitos, vereadores, a classe produtora toda para conversarmos, para criar o sistema e o plano municipal de cultura, envolvendo fundo, leis, conselho paritário e tudo, aí, meu amigo, o Amapá vai ter uma grande explosão cultural. Vai ter vontade política para fazer as coisas.
Diário - Pelas projeções que o senhor faz presidente, dá para dizer que o orçamento do Fundo Estadual de Cultura será maior do que as verbas que a Secretaria Estadual de Cultura administra hoje?
Porfírio - Claro que vai. O orçamento da Secretaria Estadual de Cultura hoje é de R$ 7,8 milhões, o que significa dizer que nós vamos ter quase seis vezes mais esse valor. Só para se ter uma idéia, no ano passado foram executados em nome da Cultura do Amapá R$ 19 milhões, mas apenas R$ 8 milhões passaram pelos cofres da Secretaria de Estado da Cultura, pois os outros R$ 11 mi-lhões passaram direto do cofre da Seplan (Secretaria Estadual do Planejamento) para outros eventos direto, então significa que nós estamos investindo mais em evento nacional do que na política cultural local, então esse dinheiro não está rodando aqui, está indo embora. Sabemos que R$ 1 investido em cultura são R$ 4 que voltam para o Estado. Imagina a Ivete Sangalo quando passa por aqui, quanto ela gasta aqui? Nada, pois leva todo o di-nheiro para gastar na Bahia ou no Rio de Janeiro onde ela mora. Gasta nos seus jatos, comprando, entendeu? É isso.
Diário - O senhor fala de um jeito como se dissesse que boa parte dos recursos para a cultura fossem embora então?
Porfírio - Vou só te falar uma coisa: no Amapá tem artista que passa fome. Nós precisamos colocar primeiramente a panela de pressão das pessoas para funcionar, fazer com que as pessoas possam ter direito a cidadania, comprar seu sapato, comer num restaurante, enfim, receber pelo que faz. Nós temos grandes artistas neste Estado que vivem de pires na mão, que vivem mendigando. Aí vem alguém e diz "vou te dar para te ajudar", mas ninguém precisa de ajuda não, a gente quer é vender o nosso trabalho.
Diário - A gente pode ter uma sobreposição de atribuições entre a Secretaria de Cultura e o Conselho de Cultura, com a conseqüente migração das demandas de uma para outra?
Porfírio - Nós sabemos os nossos papéis. A Secretaria de Estado da Cultura tem o seu papel e nós temos o nosso. Nós somos parceiros da Secretaria de Cultura hoje, certo? Nós vamos conversar intransigentemente com a Secretaria. Vamos conversar, dialogar com a Se-cretaria, assim como conversar e dialogar com a classe produtora, pois somos um elo entre a Secretaria e a classe produtora. Nós não queremos sobrepor nada, pois que-remos trabalhar de mãos dadas para resolvermos os pro-blemas da cultura do nosso Estado, que é sério, é cruel, pois o orçamento é desigual, pois há investimentos mais em outras áreas deixando a cultura em último plano. Nós não podemos aceitar isso e o governador Pedro Paulo tem dito que é o governante dos desafios então vamos propor a ele mais este desafio que é a criação do Fundo, que acho ser o grande desafio hoje deste governo para a área cultural.
Diário - Nessa hora em que o senhor sugere a formulação de uma política de Estado o Amapá vive uma campanha eleitoral em sua plenitude, então como consolidar todos esses projetos?
Porfírio - Nós da classe produtora estamos propondo uma campanha à parte: vote em
quem apóie a cultura. Nós vamos "pinhar" essa cidade com isso. Todo cantor que for se apresentar vai dizer "só vote em quem apóie a cultura"; o ator vai dizer isso, todo mundo que faz cultura nesse Estado vai falar isso, em todas as entrevistas vamos sempre bater nisso, de votar em quem apóie a cultura.
Diário - O senhor fez essa ressalva em relação aos artistas de fora, em detrimento às dificuldades que os artistas locais estariam enfrentando. É uma posição de quem é contra a vinda de atrações nacionais entre nós ou entende ser importante o intercâmbio com outros re-presentantes?
Porfírio - Nós temos que buscar as grandes parcerias, que estão nos maiores editais do Brasil. O governo federal lançou sete editais recentemente. Estou deixando na Federação de Teatro que eu presidi, R$ 1,3 milhão em projetos aprovados, sendo que R$ 800 estou deixando com o apoio da bancada federal, que o presidente Sarney, o senador Gilvam e o deputado Milhomen ajudaram, para o Festival Nacional de Teatro que vai acontecer aqui em novembro com 17 companhias de 17 Estados brasileiros. Nós temos outro festival com a Prefeitura de Macapá que é uma emenda do senador Gilvam para mais um festival a nível local, com 7 companhias de fora e 7 companhias do Amapá. Então por aí dá para perceber que a gente tem que sair do Amapá e buscar os recursos lá fora. Além disso, há ainda uma série de editais que estão sendo lançados e uma grande parte da classe produtora está se inscrevendo, por isso nós queremos criar no Conselho um Telecentro, para que os artistas possam ir lá e acompanhar seus projetos, assim como os secretários de cultura, que estão perdendo muitos recursos a nível nacional, pois está faltando muita orientação e vontade política para nós resolvermos essas lacunas que existem.
Perfil
O atual presidente do Conselho Estadual de Cultura, João Porfírio Freitas Cardoso, é casado, pai de dois filhos, tem 43 anos de idade, nasceu em Gurupá (PA) mas mudou-se para o Amapá aos 5 anos de vida, indo morar em Santana. Estudou em escolas públicas e iniciou dois cursos superiores (Direito e Publicidade e Propaganda). Começou a militar na cultura como ator amador com o Grupo de Teatro da Paz (Grutepaz) para depois fazer teatro em Estados como Roraima e Amazonas. Tornou-se diretor e produtor teatral, tendo sido presidente da Federação Amapaense de Teatro Amador e conselheiro por 18 anos da Confedera-ção Brasileira de Teatro Amador, onde exerceu vários cargos, inclusive o de presidente. Em 1989 foi eleito vereador pelo município de Santana, aos 21 anos de idade. Depois foi secretário de Cultura de Santana e desde a última segunda-feira tomou posse como presidente do Conselho Estadual de Cultura do Amapá.
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