segunda-feira, 5 de julho de 2010

“Respeito não se impõe mas nesse caso foi necessário”

LUCIANA MELO - A procuradora-geral do Estado atuou na defesa dos interesses do Amapá







A jovem advogada Luciana Melo está a menos de um ano no cargo de procuradora-geral do Estado, mas o episódio envolvendo o processo movido contra um jornal de Goiás que ofendeu a honra do povo amapaense serviu para que todos pudessem conhecer mais sobre ela e um grupo de novos procuradores do Estado, que estão imbuídos do propósito de defender os interesses da sociedade amapaense. O jornal se comprometeu a se retratar das ofensas, fazendo publicar em suas páginas matérias positivas sobre o Amapá, em oito edições do jornal O Popular. Para a chefe da Procuradoria do Estado, foi um resgate a tradições que deixaram aos amapaenses um legado de amor à terra, sua história e conquistas. Luciana Melo também esclarece que assim como Estado teve a iniciativa de processar o jornal, o Ministério Público também poderia te-lo feito. Não há concorrência, diz ela, apenas um complementa o trabalho do outro. Confira a seguir os principais trechos da entrevista exclusiva concedida ontem pela procuradora ao Diário do Amapá.
Diário - Nesse caso envolvendo o jornal O Popular algumas pessoas se perguntam por que coube a Estado, através da Procuradoria Geral comprar essa briga pelos amapaenses?

Luciana Melo - Uma das atribuições que acho de fundamental importância para a Procuradoria Geral do Estado é exatamente a defesa da sociedade amapaense, então dois órgãos poderiam, em tese, entrar com a ação: uma a Procuradoria Geral do Estado e a outra o Ministério Público Estadual. A Procuradoria agiu mais rápido e entrou primeiro com a ação, pois não justificaria ter duas ações contra o jornal, em relação ao mesmo fato.

Diário - Qual o objetivo da ação, ou seja, o que ela buscava conseguir de fato?

Luciana - Nós entramos com a ação na defesa do interesse maior, de direito coletivo, então acionamos judicialmente em nome do Governo do Estado, que se manifestou através de seu órgão jurídico e que defende o seu interesse e o interesse da sociedade. É essa a missão da Procuradoria e foi por isso que nós entramos com a ação.

Diário - Qual é o principal conflito neste caso, como ele pode ser medido ou mensurado, ou seja, como essa ofensa afetou ao chamado interesse coletivo?

Luciana - A ofensa é o dano moral coletivo, especificamente a identidade da sociedade amapaense que foi ferida, por um critério de discriminação federativa, porque o Amapá é um Estado da Federação então o mesmo tratamento deve ser dado a todos os Estados. A reportagem com a manifestação do jornalista não foi feliz, ela foi agressiva nesse sentimento da identidade da sociedade amapaense, então a gente interpôs a ação que nem chegou a ser julgada, pois o próprio jornal nos procurou, inclusive, vendo que realmente que estava errado, então queria encerrar logo a demanda com a negociação.

Diário - Então a proposta de se fazer um acordo foi iniciativa do próprio jornal?

Luciana - Exatamente, quem procurou para fazer o acordo foi o jornal O Popular, que logo de início reconheceu o erro e propôs a compensação em favor do Amapá.

Diário - E quais foram as bases de desse acordo para compensar o Amapá pela exposição negativa do povo, de sua identidade, enfim, dessa enorme divulgação negativa?

Luciana - Não seria uma compensação exatamente. No agravo, dissemos que o jornalista publicou o tal artigo no blog e no jornal, que fez a sua parte e publicará durante oito dias, sendo quatro domingos e quatro quartas-feiras, as informações do Estado possam ser veiculadas notícias referentes aos seus negócios, ao seu comércio, a sua cultura, a sua realidade, então assim, tanto o jornal como o jorna-lista em seu blog.

Diário - O próprio jornalista Rogério Borges procurou depois se desculpar, afirmando que na verdade o artigo que escreveu poderia ser uma grande brincadeira, tanto que fora publicado na página de va-riedades do jornal. O que a senhor achou disso?

Luciana - Não concordo com isso. Ele tentou fazer uma retratação, mas a gente não entendeu assim. A retratação soou cínica, para usar um apalavra um pouco pesada, não seria nem essa a palavra exata, mas a verdade é que não achamos adequada a suposta retratação, para o nível da agressão sofrida no início. Então a ação foi bem genérica, relacionada ao jornal e ao jornalista, de modo que quando o jornal procurou para fazer a negociação, entrar num acordo, o jornalista também entrou e assinou junto os termos da negociação.

Diário - O que o Estado entende que deva ser preponderante nessas reportagens sobre o Amapá, ou seja, o que deve ser mais marcante nessas reportagens que o jornal irá publicar?

Luciana - O que a gente entende como mais re-levante é demonstrar a realidade do povo amapaense, divulgando a nossa cultura, os nossos negócios, o nosso dia a dia, a existência de uma identidade do povo amapaense, a nossa diversidade também. A única coisa que não será veiculada, pois essas reportagens serão preparadas por um grupo de técnicos do Go-verno para pegar as informações a serem repassadas à Secom (Secretaria Estadual da Comunicação) para que ela possa trocar as idéias com os jornalistas, pois o campo é esse, mas a única coisa que não vai poder ser veiculada é a questão político-partidária, até pela vedação do período eleitoral e nem de privilégios a determinadas pessoas, pois aí fere a impessoalidade. De resto, tudo mais que for de interesse do Estado, caberá notícia positiva do Amapá, objeto de divulgação.

Diário - Como cidadã, o conteúdo daquele texto a ofendeu de que forma procuradora?

Luciana - Vou falar uma coisa, eu não sou de amapaense de nascimento, pois foi nascida em Brasília, mas vim para cá em 1979, portanto desde meus seis anos de idade em moro aqui no Amapá, então a minha formação é daqui, a minha família é daqui, as minhas raízes são daqui, eu vivo aqui, eu trabalho aqui, então eu também me senti ofendida, pois me sinto parte integrante da sociedade amapaense que tão bem me acolheu e tão bem me trata até hoje. Então eu vejo como uma obrigação que eu tinha na condução da Procuradoria Ge-ral do Estado em defender a sociedade, pois o meu cargo me obriga a fazer isso. É essa a missão da Procuradoria, portanto a gente não podia prevaricar e se omitir num momento tão importante para nós, que pode até não ser para outros, mas eu achei que para a sociedade amapaense isso era fundamental, pois era a defesa do Estado do Amapá, de todo um povo.

Diário - A Procuradoria já tinha atuado em casos semelhantes a esses doutora Luciana?

Luciana - Não dessa envergadura. A Procuradoria está hoje com uma identidade, uma postura diferente, pois uma ação mais direta, mais positiva, não diria nem mais autônoma e independente, mas a gente está conseguindo atuar de forma mais incisiva depois do concurso público. Os procuradores são todos muito bem preparados e a gente está realmente tendo uma visão mais técnica e mais prática das situações que acontecem no Estado. Você tem uma liberdade um pouco maior para fazer a defesa do Estado com um pouco mais de liberdade.

Diário - Esse tipo de episódio faz com que a sociedade possa conhecer um pouco mais sobre o apa-relho do Estado, pois há quem compare a atuação dos procuradores do Estado com a dos procuradores da República. Qual a diferença?

Luciana - Os procuradores da República são um órgão ministerial, integram o Ministério Público Fede-ral. É como se fossem os procuradores e promotores de Justiça aqui no Estado. A nossa atuação [de procuradores do Estado] se assemelha a do advogado da União, que são os profissionais do Direito que defendem a União. A mesma coisa é aqui no Estado, onde a Procuradoria Geral do Estado seria o órgão de advocacia do Estado, de defesa da sociedade e do Estado do Amapá. Então essa atribuição de defesa dos interesses da sociedade ela ficou um pouco mais apagada, pela atuação na defesa dos interesses individuais, que é feita pelas Defensorias Públicas, quando as pessoas precisavam de um advogado gratuitamente para defendê-las. O Ministério Público é o fiscal da lei, mas a defesa específica é atribuição da Procuradoria do Estado, que é como se fosse um grande escritório de advocacia e defende os interesses do Estado e de toda a sociedade. É essa a nossa missão, é esse o nosso papel.

Diário - Não vamos então editar nenhuma competição, digamos assim, entre a Procuradoria do Estado e o Ministério Público, não é mesmo?

Luciana - Não! Absolutamente, pelo contrário, o Ministério Público, tanto o Estadual quanto o Federal, são grandes parceiros da Procuradoria do Estado, numa relação muito positiva. A Constituição Federal esta-belece bem claramente as atribuições de cada órgão, de cada instituição dessa, tanto a Constituição Federal como a Constituição do Estado, então as atribuições são muito bem demarcadas, portanto não há uma concorrência, mas eu diria que no momento ocorre uma complementação, inclusive.

Diário - Há alguns anos atrás, um outro jornal, só que mineiro, chamado Hoje em Dia, também publicou um artigo semelhante a este do jornal goiano, su-gerindo a venda do Amapá para se estabelecer aqui um Estado palestino. A senhora tem conhecimento sobre os desdobramentos do caso, já que quem processou o veículo foi o Ministério Público Estadual?

Luciana - Não, não tenho conhecimento especificamente, tanto é assim que o Ministério Público Estadual poderia ter entrado com ação nesse episódio, mas nós interpusemos mais rapidamente então não justificava, como falei anteriormente, duas ações sobre o mesmo fato. Nesse caso que você relatou, a Procuradoria Geral do Estado certamente não atuou, pois senão eu teria conhecimento da medida lá na Procuradoria, mas se foi o Ministério Público Esta-dual eu desconheço qualquer desenrolar desse processo pois não passou pela gente, que não fomos autores nem parte da ação.

Diário - Para fechar procuradora, o que ficou desse episódio todo envolvendo o jornal de Goiás, seria a marcação de uma posição firme do Amapá, ao estilo daquela frase 'respeito é bom e eu gosto'?

Luciana - É mais ou menos isso sim, porque o acordo visou não enriquecer, não era fazer dinheiro, mas exatamente demonstrar o respeito que o Estado do Amapá merece, que a sociedade amapaense merece, pela grandeza que a nossa sociedade tem, as suas vitórias, os avanços corporativos, nós temos políticos muito bons, uma realidade muito boa, uma tradição, uma história, nós temos um legado, que deve ser respeitado sim, no passado e para o futuro. Então é mais ou menos assim: se você não defende o que tem, vai permitindo, permitindo, aí cria realmente um desrespeito. Tudo bem que respeito não se impõe, mas nesse caso foi necessário ser imposto.


Perfil


A procuradora Luciana Lima Marialves de Melo tem 37 anos de idade, é solteira, nasceu em Brasília e mudou-se para Macapá em 1979, onde parte de sua família já morava, Foi aluna de escola pública e sua primeira formação foi no Magistério, pelo antigo Instituto de Educação do Território do Amapá (IETA). Graduou-se em Direito pela Universidade da Amazônia (Unama) e fez pós -graduação em Direito Público pela Universidade Estácio de Sá (Rio de Janeiro) e pela OAB-AP. Foi corregedora-fiscal da Secretaria Estadual da Fazenda e corregadora-geral da Procuradoria Geral do Estado; também ocupou o cargo de subprocuradora-geral da Prog e desde abril deste ano assumiu o posto maior do órgão.

Um comentário:

  1. Parabéns pela iniciativa da Procuradoria, eu sou Goiano e fui um dos que enviaram cartas ao jornal abominando o texto. É inadimissível um veículo de comunicação expressar de forma tão irresponsável como nocaso em questão.

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