domingo, 15 de agosto de 2010
“O que mais admiro nos brasileiros é a cordialidade”
Morando há mais de 30 anos no Brasil, o cônsul honorário da França no Amapá, Jean-François Le Cornec, conhecido como “Jef”, acompanha o fortalecimento das relações diplomáticas entre o Brasil e a França com otimismo. Ele, que é casado com uma brasileira, fala com um despojamento e espirituosidade típicos de um brasileiro, sobre as principais diferenças existentes entre os dois povos. O diplomata enumera uma a uma as etapas a serem vencidas para que a ponte binacional que Brasil e França estão para inaugurar sobre o rio Oiapoque se torne de fato um elo de intercâmbio econômico, cultural e turístico entre o Amapá e a Guiana Francesa. Para ele, é preciso que autoridades, empresários e as comunidades do Amapá e da Guiana se movimentem para serem as maiores beneficiárias do futuro que poderá advir assim que a ponte estiver pronta.
"A ponte foi fruto primeiro da mudança de visão que o Brasil, e estou falando de Brasil visto de Brasília, e que a França tinha também, por serem duas regiões longínquas, mas que viram que possuem uma fronteira que pode servir para alguma coisa, então essa ponte é muito simbólica, em primeiro lugar, agora temos que ver onde poderemos chegar com essas conversas."
Diário do Amapá - Há quanto tempo você está morando no Brasil?
Jean-François - No Brasil eu tenho trinta anos, inclusive todo esse tempo morando na Amazônia mesmo.
Diário - Como aconteceu para você vir servir em uma missão no Brasil?
Jean - É preciso explicar que eu sou cônsul honorário e não fui designado para um posto, é diferente de um cônsul de carreira. No Brasil tem três consulados de carreira, que funcionam de pleno direito, que é em Brasília, Rio (de Janeiro) e São Paulo. Existem outros lugares com algumas atividades, como em Recife, mas essas outras pessoas como eu já estão no local e são escolhidas para prestar serviços ao Consulado, que não são nomeadas para ir para um lugar, mas sim já moram lá e são aproveitadas para interligar ao Consulado.
Diário - Mas quando você decidiu vir para o Brasil foi para desempenhar que tipo de trabalho?
Jean - Bem a Amazônia me fascina desde muito cedo, acho que com quinze anos eu li um livro que ajudou também, pois cheguei aqui muito cedo, com vinte e poucos anos.
Diário - E nesses mais de trinta anos no Brasil você assimilou ou foi contagiado por qual característica do povo brasileiro?
Jean - Bom, infelizmente eu não fui contagiado... (risos) mas a coisa que mais aprecio com certeza é a cordialidade do povo brasileiro, o que chama a atenção mesmo, que é a capacidade de se relacionar com as pessoas, mas infelizmente não fui contagiado o suficiente... (mais risos). Bem mas a facilidade de relacionamento com as pessoas é o que mais chama a atenção mesmo, é algo marcante mesmo, principalmente quando você viaja pelo mundo e vê como o brasileiro tem essa reputação, de ser um país muito simpático mesmo.
Diário - Fazendo um contraponto, que característica francesa sua foi mais difícil para os brasileiros daqui assi-milarem no relacionamento com você?
Jean - Acho que os franceses têm uma tendência de serem muito quadrados... (risos) Mas são coisas simples mesmo, como uma determinada coisa acontece mesmo sem ter muita importância e a gente di "ah, mais ainda não está na hora", sabe? Essa é a característica mais difícil, de sermos muito exigentes quanto às coisas que foram determinadas, horários, às vezes exageradamente.
Diário - Você com essa experiência toda já viu vários governos do Brasil e da França colocarem um tijolinho por vê nessa questão da diplomacia, que avançaram bastante nos últimos anos. Qual a sua avaliação sobre o futuro dessas relações?
Jean - Primeiro é preciso dizer que nesse tempo todo em que vivo no Brasil a metade pelo menos não estive envolvido nessa questão diplomática, pois estava cuidado apenas da minha vida pessoal. Agora depois que assumi essa função aqui no Amapá tenho acompanhado de perto o que aconteceu e vi uma mudança muito grande, pois o Amapá e a Guiana Francesa eram dois estados conside-rados o fim de dois países, um fundo fechado, sem nada depois, uma fronteira intransponível praticamente, pelo menos falando do ponto de vista diplomático.
Diário - O que mudou agora, no seu entendimento?
Jean - O que mudou foi a abertura. Na verdade a fronteira sempre esteve aberta para quem queria ir lá mas não eram abertas para conversações, para a cooperação, isso é que mudou na última década ou um pouco mais até, acho que quine anos.
Diário - E essa cooperação tende a ser ampliada agora com a inauguração da ponte binacional sobre o Rio Oiapoque, não é mesmo?
Jean - A ponte foi fruto primeiro da mudança de visão que o Brasil, e estou falando de Brasil visto de Brasília, e que a França tinha também, por serem duas regiões longínquas, mas que viram que possuem uma fronteira que pode servir para alguma coisa, então essa ponte é muito simbólica, em primeiro lugar, agora temos que ver onde pode-remos chegar com essas conversas que precisamos ter os seis parceiros que precisarão se envolver: Guiana e Amapá; França e Brasil; União Européia e Mercosul. Isso é muito complicado, sabemos, mas a ponte vai forçar a que isso aconteça, pois ela vai permitir o trânsito de pessoas, de mercadorias e o intercâmbio. Tanto a Guiana Francesa quanto o Amapá estão um pouco longe, na periferia de suas respectivas metrópoles, então eles tem que conseguir aproveitar dessa estratégia. Além disso, existe ainda a estrada que significa também a integração dos municípios, do Amapá e da Guiana Francesa.
Diário - São outros a serem beneficiados, o senhor diria isso?
Jean - Exatamente. A estrada liga dois países, mas também ela permite fazer tráfego conjunto, fazendo a interligação interna de duas regiões que têm municípios afastados, então ela tem o benefício tanto externo como interno.
Diário - As pessoas também têm a expectativa de trocas comerciais entre o Amapá e a Guiana Francesa, mas estes são dois Estados que possuem uma produção ainda pequena, que mal daria para abastecer o consumo interno. É nesse sentido que o senhor diz que a parceria tem que ser mais ampla, do Mercosul com a União Europeia?
Jean - Diria que os dois lados têm que descobrir as complemantalidades. Esse é o grande problema e se definir. Primeiro porque na Guiana eles têm medo dos brasileiros, com a ponte, o que é injustificável. É preciso saber o que podem trazer os brasileiros para o lado francês e o que podem trazer os franceses para o lado brasileiro. A Guiana é muito carente de muitos gêneros que são importados de muito longe, da França. Seria muito mais lógico levar daqui. Mas o Amapá, de seu lado, não produz nem a metade do que consome, portanto não está em condições de exportar alimentos, a não ser alimentos que transitem pelo Amapá, vindos de outras regiões do Brasil.
Diário - Há quem defenda que essa é a verdadeira vocação do Amapá nessa nova realidade que se avizinha, de fazer navegação ou mesmo o transporte terrestre por cabotagem, não é mesmo?
Jean - É preciso se concentrar as discussões sobre o que o Amapá é capaz de produzirpela Guiana Francesa e talvez para o mercado europeu, juntos, ou mesmo o Caribe, que é um mercado até mais próximo, mais importante. É por isso que a Câmara de Comércio e Indústria da Guiana Francesa se instalou aqui (no Amapá), eu acho que para refletir sobre isso, conhecer os empreendedores e fazer se conhecer as pessoas de um lado e de outro. Eu acho que é isso o que temos que construir a partir da ponte, pois tem que transitar mercadorias, tem que se produzir no Amapá, tem que colocar também as normas européias na Guiana Francesa, enfim, tem muita coisa para se fazer. O importante é que tem que ser empresários da Guiana Francesa e do Amapá e não outros que venham de outras partes do Brasil e da França, antes que eles possam descobrir e ficar com todo o lucro disso.
Diário - Recentemente o Congresso Nacional do Brasil aprovou medidas para aumentar os poderes das Forças Armadas na fronteira e muita gente acredita que os conflitos na região de Oiapoque contribuíram para isso. O se-nhor diria que apesar de impopulares as medidas contra a clandestinidade deva ser uma ação conjunta?
Jean - Quando se fala em clandestinidade na Guiana Francesa existem duas vertentes a serem consideradas. Tem as pessoas que vão para lá trabalhar, na construção civil, geralmente, que mesmo clandestinas buscam me-lhores condições de vida porque lá os salários são mais atraentes. Para esses casos eu acredito que existe mercado e que deva haver possibilidade de regularizá-los, pois se os empresários precisam de mão de obra eles têm que fazer tudo para que essas pessoas entrem legalizadas.
Diário - E qual a outra vertente da clandestinidade a ser considerada, cônsul?
Jean - É outra muito mais complicada... (risos) É o garimpo de ouro, porque feito na clandestinidade provoca também uma grande poluição ambiental além de muitos outros problemas relacionados à questão do tráfico de drogas, prostituição, enfim, é um problema que vai muito mais além que somente a questão de empregar a mão de obra brasileira. É um problema muito maior e que requer realmente a colaboração e a boa vontade dos dois países.
Diário - O senhor enumerou algumas providências que precisam ser tomadas para que depois de pronta a ponte possa de fato escoar o trânsito de pessoas e de cargas. Agora mesmo já existe uma ponderação do lado brasileiro sobre a travessia de veículos de um lado para o outro, a chamada reciprocidade, que ainda não existe?
Jean - Bem, o trânsito de caminhões já está sendo discutido e está para ser resolvido. O problema que ainda existe é a questão dos seguros, mas isto é do âmbito privado. Certamente vão ter seguradoras interessadas. Esse é um problema que não é menor, mas que não cabe aos governos discutirem, mas sim outras questões como o peso sobre cada eixo de caminhão, pois cada país tem uma legislação própria. São assuntos que precisam ser discutidos para não ter nenhum impedimento para o tráfego entre a Guiana e o Amapá.
Diário - O Brasil e a França preparam uma nova reunião da Comissão Mista Transfronteiriça para o próximo mês e especula-se que entre outros assuntos deva ser anunciada a implantação de vôos regulares entre Macapá e Caiena. O que há de concreto sobre esse assunto?
Jean - Eu também espero muito sobre esse assunto... (risos), pois tem empresários que acham que a rota é interessante e há interesse sim de operar voos para cá. Eu pessoalmente consegui que fosse convidada para essa reunião em Caiena a empresa Puma (Puma Air), que voltou a Macapá depois de alguns anos e que me parece uma companhia bem estruturada pois me parece que acaba de abrir um vôo internacional entre Belém e Luanda. Então essa me parece ser a empresa mais próxima de fazer a ligação entre Macapá e Caiena, apesar de que existem pessoas na Guiana muito interessadas e ainda há conversações com eles, então espero que tenhamos novidades nesse sentido logo.
Perfil
O francês Jean-François Le Cornec tem 59 anos de idade, nasceu na cidade de Rennes, na região de Bretagne, no noroeste da França. É formado em Letras e em Inglês, pela Universidade de Haute-Bretagne. Mudou-se para o Brasil em 1976, para atuar na Aliança Francesa, em Belém (PA), onde lecionou, foi auxiliar de direção e produtor de atividades culturais. Em 1996 mudou-se por interesse próprio para o Amapá, onde montou um empreendimento da área de hotelaria, a Pousada Ekinox, bem como passou a tocar a administração de uma Reserva de Proteção Particular. Pouco depois recebeu a honrosa missão de ser o Cônsul Honorário da França no Amapá.
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