terça-feira, 14 de setembro de 2010

“Se eu ficasse mais tempo implantava o sistema da Justiça”


Em meio à crise institucional que se abateu no Amapá após a passagem da Operação Mãos Limpas, executada pela Polícia Federal a mando do Superior Tribunal de Justiça (STJ), coube ao presidente do Tribunal de Justiça do Amapá, desembargador Dôglas Evangelista Ramos, o papel de assumir as rédeas do Poder Executivo. Mas desde as primeiras horas no poder, ele nem foi ao Palácio do Setentrião, optando em receber gestores da equipe do Governo, como o chefe da Casa Civil, o professor Paulo Guerra. Algumas mudanças foram feitas apenas na equipe de finanças e de planejamento, mas o governador interino tratou de tranqüilizar a população ontem, durante uma entrevista concedida na Sala de Reuniões do Tjap, que esteve tomada por jornalistas locais e até de agências de notícia e jornais nacionais. Os principais trechos o Diário do Amapá publica a seguir.

"Isso aí serve de exemplo para o futuro, porque há uma briga entre empresas nesse negócio de licitação. Começa daí, viu? Se uma ganha a licitação a outra fica procurando defeito, denunciando para a polícia, dizendo que está havendo corrupção e muitas vezes há simo"

Pergunta - Como o senhor recebeu mais essa missão em sua carreira?

Dôglas - Eu fiquei triste, pois eu sempre esperei assumir o governo temporariamente, mas em outras circunstâncias e não nesta. Seria por uma viagem do governador, doença, enfim, mas não nessa situação. Mas eu sempre estive preparado, pois já substituí até o Comandante Barcellos (ex-governador) na época do Território (Federal do Amapá) e na época do Estado, então eu já estou habituado a isso, de forma que estou tranqüilo e digo à população que o Estado pelo menos nesse período está nas mãos de uma pessoa tranqüila e que nunca decide apressadamente, pois sempre penso antes de decidir e sempre ouço os colegas, os conselhos para poder decidir, então não existe razão para o pessoal ficar nervoso.

Pergunta - Qual sua primeira providência como governador?

Dôglas - Foi mandar suspender todos os pagamentos que tinham que ser realizados da sexta-feira em diante, até eu tomar pé da situação. A partir da terça-feira nós vamos retomar esses pagamentos.
Pergunta - O senhor chegou a fazer alguma mudança no secretariado do Governo do Estado?
Dôglas - Eu fiz algumas mudanças sim, na verdade remanejamento, pois coloquei pessoal meu lá junto com eles (técnicos do Governo) para não atuarem sozinhos, até passar essa fase dos cinco dias mais dez dias. Depois quando o governador reassumir ele vai agir como bem entender.

Pergunta - Alguns secretários de governo foram envolvidos nas investigações da Polícia Federal o senhor irá mantê-los nos cargos?

Dôglas Ramos - Se eu afastá-los hoje daqui a cinco dias o governador vem e os traz de volta... é complicado não é?

Pergunta - Então somente em caso de uma decisão judicial para tirá-los dos cargos aí sim é que o senhor iria substituí-los, é isso?

Dôglas - É, seria então um plano B, fazer uma mudança no secretariado. É preciso explicar uma coisa: a administração do Executivo é totalmente diferente do Judiciário. Se eu tivesse que ficar mais tempo lá iria implantar a gestão da Justiça lá dentro que é bem mais apertada, arrochada mesmo.

Pergunta - Governador, então o senhor está tomando pé de toda a situação para somente depois tomar alguma medida de maior impacto?

Dôglas - Pois é, se fosse na segunda-feira, mas como aconteceu numa sexta-feira eu não estava obtendo as informações totais porque eles (policiais federais) ainda estavam na rua fazendo a operação e eu saí daqui (do Tribunal) com o Paulo Guerra (chefe da Casa Civil do Governo) eram mais de 20 horas, cuidando desse assunto. Primeiro para dar equilíbrio para o Estado, pois somente na terça-feira nós vamos começar a abrir os cofres para pagar aquele que na sexta-feira não conseguiu receber, vamos pagar na terça, pois ainda tem um feriado pelo meio.

Pergunta - Então o que o senhor diria para a população em uma hora dessas, tão complicada do ponto de vista institucional?

Dôglas - Para ela ficar tranqüila, pois aqui quem está assumindo provisoriamente no lugar do doutor Pedro Paulo é o presidente do Tribunal de Justiça, que normalmente a Justiça sempre tem mais tranqüilidade, tem mais paciência, não tem irritação. Eu estava até falando com um repórter que quanto mais a situação aperta mais eu fico calmo, fico tranqüilo... (risos), não me acocho não.

Pergunta - Mas é uma grande novidade essa, não é mesmo, virar do dia para a noite o governador de um Estado?

Dôglas - Na verdade eu estou sendo o vice-governador desde o dia 3 de abril. Só que o governador Pedro Paulo viajava e dizia para eu assinar o que tivesse que assinar, mas eu dizia "deixa eu aqui tranqüilo, igual a rainha da Inglaterra, reina mas não governa". Mas agora dessa vez não, houve uma crise, aí eu tive que assumir.

Pergunta - Essa talvez tenha sido a primeira crise institucional em que o presidente do Judiciário teve que assumir o Governo do Estado, então como o senhor vê essa situação?

Dôglas - Isso aí serve de exemplo para o futuro, porque há uma briga entre empresas nesse negócio de licitação. Começa daí, viu? Se uma ganha a licitação a outra fica procurando defeito, denunciando para a polícia, dizendo que está havendo corrupção e muitas vezes há sim corrupção. Começa daí a confusão e termina num inquérito desses.

Pergunta - O senhor acha que devia mudar esse modelo de licitação que está sendo praticado há tempos no país?

Dôglas - O problema lá é quando há muito interesse político. Por exemplo, as licitações do Tribunal (de Justiça), alguém já falou de alguma licitação aqui? Não. Lá (no Executivo) é o seguinte: entra um partido que tem uma empresa que dá apoio para ele e quando um ganha o outro fica reclamando gerando muitos problemas. Vocês sabem que quem ganha a licitação sempre banca a campanha de alguém, começa daí os desvios.

Diário - Os pagamentos em atraso da Companhia de Água e Esgoto do Amapá, existe alguma possibilidade de isso ser negociado agora também?

Dôglas - Olha, cinco dias não dá... (risos) Em cinco dias vai faltar água então... (mais risos) Mas na verdade a Companhia de Água, a Companhia de Eletricidade, enfim, são questões para serem resolvidas a longo prazo, pois os débitos são grandes e não se pagam do dia para a noite não.

Pergunta - E com relação a fornecedores especialmente de mão de obra, que possuem pagamentos em atrasos no Governo?

Dôglas - Ei conversei com o Paulo Guerra ontem (sexta) sobre isso também, pois tem pequenos valores que deixam acumular. Vai pagando esses pequenos valores, de pequenos empresários, com valores de R$ 3 mil, R$ 5 mil, R$ 10 mil para serem quitados logo e os valores maiores vamos negociar o pagamento, parcelado, enfim, isso eu acho que pode ser feito tranquilamente. O problema é que nós estamos num ano eleitoral e eles cortam verba para tudo para empregar naquelas partes que lhes rendem votos, não é? Mas deixa para lá, eu não sou político.

Diário do Amapá - Presidente, pelo fato de um magistrado estar no comando agora do Governo do Estado é pensamento se aprofundar nas investigações desse caso?

Dôglas - Isso aí não. Eu não posso nem me aprofundar saber o por quê? Porque isso cabe à Justiça Federal, à Polícia Federal e ao STJ (Superior Tribunal de Justiça), porque envolvem governadores, presidente de tribunal, etc. Eu apenas se tiver que ficar aqui mais tempo vou só administrar o Estado.

Diário - Do Judiciário o senhor está levando quem para compor a sua equipe?

Dôglas - Ah, com certeza. Estou levando quase toda a minha equipe economia está para lá e irão trabalhar junto com os outros. São quatro técnicos nossos somente da área econômica.



Perfil


O desembargador Dôglas Evangelista Ramos tem 67 anos de idade, é baiano da cidade de Barreiras. De origem humilde, cedo ingressou no mercado de trabalho, exercendo a profissão de sapateiro para custear seus estudos e ajudar no sustento da família. Em 1971 formou-se em Bacharel em Direito pela Faculdade de Estudos Sociais Aplicados, da Universidade de Brasília. Foi Juiz de Direito da 1ª Vara Criminal de Porto Velho-RO, Juiz do Tribunal Regional Eleitoral de Rondônia, Juiz de Direito da 1ª Circunscrição Judiciária de Macapá, exercendo várias funções. Com apenas 48 anos de idade chegou ao ponto mais alto da magistratura estadual: Desembargador. Foi o primeiro Presidente do Tribunal de Justiça do Estado do Amapá e atualmente está no segundo mandato.

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