quarta-feira, 22 de junho de 2011

"O juiz verifica o telhado e o advogado a fundação"

HONILDO AMARAL - Desembargador aposentado fala da experiência de agora advogar









Um dos mais respeitados juristas do país, Honildo Amaral de Melo Castro, desembargador aposentado do Tribunal de Justiça do Estado do Amapá (TJAP) e também ex-ministro convocado do Superior Tribunal de Justiça (STJ) falou com exclusividade ao Diário do Amapá sobre a nova experiência de estar do outro lado do balcão, por assim dizer, pelo fato de ter voltado à advocacia, uma carreira que enumera - didadicamente - as diferenças para a magistratura, que exerceu por quase trinta anos. Na conversa com o jornalista Cleber Barbosa, ele falou desde o mito de que ex-ministros dos tribunais superiores poderiam ter mais chances de sucesso quando decidem advogar em Brasília até deixar rolar a emoção de falar da família, uma de suas maiores paixões, mais que isso, a razão para tanto trabalho e de-dicação. Os principais trechos da entrevista a seguir...

Diário do Amapá - O senhor mora hoje em Brasília, mas cumpre esse rito de voltar sempre a Macapá. Os laços que possui em essa terra vão além do relacionamento familiar?
Honildo Amaral - É, minha família está aqui né? [Pausa] Que é o filho... [Nova pausa] E os dois netos... [com a voz embargada] Então nós temos que vir aqui sempre, pois além disso tudo - eu fiquei muito emotivo - mas além disso tudo a gente tem os laços de amizade, pois os últimos vinte e dois anos eu fiquei aqui.

Diário - E como foi essa vinda para o Amapá, dá para descrevê-la resumidamente?
Honildo - Vim por opção e não em busca de emprego, pois já era juiz. Vim para poder trazer a formação jurídica aqui do Estado pelo Tribunal (de Justiça) junto com outros colegas. Creio que a gente conseguiu fazer com que o Estado inicialmente completamente desacreditado em nível de Brasil pois era um Estado pequeno do Norte passasse a ter no mundo jurídico uma credibilidade, pelo trabalho e seriedade de seus membros, pela celeridade de suas decisões e pela segurança também imprimida.

Diário - Como foi garantir essa segurança, desembargador, explique melhor?
Honildo - Nós tínhamos um movimento ainda pequeno de processos que ainda não nos davam a oportunidade de fundamentarmos com mais profundidade que talvez outros tribunais mas isso também dependia muito da vontade individual de cada um, pois eu poderia ficar negligentemente, se fosse o caso, fazendo pouca coisa.

Diário - Uma família tão bonita e que lhe provoca toda essa emoção já no início desta entrevista será que lá atrás quando o senhor veio para essa missão de ajudar a implantar a justiça do recém criado Estado passou por sua cabeça ter netos aqui?
Honildo - Não, eu saí de Belo Horizonte para ser juiz em Brasília, mas também fui juiz em Minas (Gerais) e disse ao meu pai que passaria aqui alguns anos e voltaria. O destino invés de me retornar a Belo Horizonte me fez vir para o Norte. Talvez ali fosse uma predestinação, né?

Diário - Como assim? Ficou intrigante essa história?
Honildo - Na história do Amapá tem um fato que eu costumo comentar e brincava com minha mãe, sempre, quando ela indagava: "Meu filho, o que você deve ao povo do Amapá?" Eu respondia que não sabia, mas que alguma coisa poderia acontecer. Chegando aqui verifiquei que na história da cidade de Macapá, Mendonça Furtado quando veio para ser o vice-rei do Pará e Maranhão trouxe em sua comitiva uma pessoa por nome Manoel Bernardo de Melo Castro, que era irmão de um ministro do Reino naquela época de Pombal.

Diário - E ele permaneceu aqui?
Honildo - Manoel Bernardo foi a pessoa que veio para Macapá, transformou isso aqui em Vila, em 1756, salvo engano, construiu a Igreja Matriz e depois vi que Mendonça Furtado virou nome de avenida e Manoel Bernardo de Melo Castro não era nada, nem nome de beco. Então eu disse à minha mãe que acha que tinha de resgatar a memória do primo, que é o meu sobrenome... [risos] Foi então que chamei o Paulo José, à época vereador, e criamos então aqui a Avenida Governador Melo Castro, que era o título que se dava naquela época da construção da cidade.

Diário - E há quem pense que o nome da rua seja em sua homenagem, pois também governou o Amapá, não é verdade, desembargador?
Honildo - Fui o primeiro governador constitucional do Amapá, ocasionalmente, oportunidade em que criei o município de Vitória do Jari, pois foi ato meu como governador. Com a transformação do Território em Estado fui o primeiro presidente do Tribunal de Justiça, dando posse ao Dôglas [Ramos, desembargador] nessa condição, presidi os primeiros julgamentos da história do Tribunal, fui o primeiro orador, então eu acho que tenho alguma coisa assim re-gistrável aqui neste Estado, que espero que Deus o proteja para que fique ainda melhor.

Diário - Hoje o senhor advoga em Brasília por que aqui cumpre por dever legal uma espécie de quarentena para não atuar junto à Justiça local por até três anos?
Honildo - Não por isso só. Quando fui convocado para o Superior Tribunal de Justiça fui para uma casa que construí antes de vir para cá, quando era juiz em Brasília. A casa ficou fechada muitos anos, mas mantive sua conservação, pois lá morreu minha primeira esposa, então aquele problema sentimental me trazia sempre uma tristeza. Na minha ida para o STJ, já casado pela segunda vez, resolvi reativar minha casa, fazendo as reformas que precisavam ser feitas e hoje temos uma bela casa no Lago (Paranoá) onde tenho lá minha horta, planto as minhas verduras, rabanetes e cenouras, enfim, tenho uma vida tranqüila.

Diário - Isso também pela limitação imposta pelo impe-dimento de advogar aqui?
Honildo - Por força da quarentena me obriga realmente a estar muito mais em Brasília, pois aqui no Estado estou proibido. Vão ser mais dois anos e meio pela frente ainda. É uma regra constitucional que foi estabelecida então a gente tem a oportunidade, pelas amizades também que detemos, de trabalhar bem melhor nos tribunais superiores.

Diário - Pode-se dizer que é até um caminho natural para ex-ministros de tribunas superiores advogar no chamado terceiro grau, uma advocacia já não tão combativa, mas com muito respeito pelo peso dos nomes e da experiência acumulada não é mesmo?
Honildo - Posso dizer a você com uma segurança muito grande que não são poucos os ministros aposentados que advogam, mas digo com a pureza d'alma que isso não influencia em nada as decisões do Superior Tribunal de Justiça. Eu estive lá julgando até processos de interesse de ex-mi-nistro do Supremo (Tribunal Federal) e de escritórios de advocacia de 200 e 300 advogados, mas isso não importa e nem influi no pensamento do juiz, pelo menos na minha ótica. O fato de ter sido juiz lá por um período não me dá uma melhor chance do que um advogado comum.

Diário - O que garante essa melhor chance doutor?
Honildo - O direito que eu estou defendendo. Aí você poderia me perguntar como fazer esse direito ser defendido, não é? Não é a influência. Tem um caso até gozadíssimo em que um ministro aposentado foi advogar no STJ e foi para o café onde tem lá um aviso dizendo que mi-nistro aposentado que esteja advogando não pode freqüentar o café. Ele foi para lá tentar convencer o colega que ia participar do julgamento do processo que interessava a ele. O colega concordava com ele, concordava com ele e outro assistia a tudo. Chegou no julgamento o que concordava com tudo votou contra aí o colega que assistia indagou que antes concordava com tudo e depois votou contra. A resposta foi "longe de mim contrariar um colega meu". Isso foi para mostrar que não há influência, pelo menos na minha ótica.

Diário - Agora e a experiência de estar do outro lado, desembargador, sem querer diminuir a figura do advogado, mas o juiz é o protagonista, então como será essa experiência para o senhor agora?
Honildo - Eu senti um pouco, pois você passa vinte e oito anos proferindo decisões de uma natureza e quando você volta para a advocacia você tem que começar uma construção da base. O juiz verifica se o telhado está bem posto e o advogado tem que começar da fundação, ou seja, da inicial para começar toda a construção de uma tese jurídica. Eu fui advogado muitos anos antes de ser juiz, nasci numa casa de advogado, honrado, e com isso eu senti num primeiro momento a mudança.

Diário - O fato do juiz Constantino Brahúna ter herdado a sua cadeira como desembargador do Tribunal de Justiça representou o que para o senhor?
Honildo - Eu não acho que ele herdou a minha cadeira. Brahúna é um juiz do primeiro concurso e digo sempre que é um dos melhores juízes da Amazônia, um homem de uma cultura invejável, de uma lealdade extrema e de uma dignidade profissional muito grande. Quem ga-nhou com isso foi o Tribunal de Justiça e a sociedade amapaense. Fiquei orgulhoso de ele ter ficado com o meu gabinete, pois se fosse outra pessoa que eu não tivesse essa mesma expressão poderia ficar triste.

Perfil do Entrevistado

O mineiro Honildo Amaral de Melo Castro era juiz do Distrito Federal e Territórios, em Brasília, quando recebeu a honrosa missão de vir para o Amapá ajudar na implantação do Judiciário no recém criado Estado, que quando era Território Federal contou também com sua destacada atuação. Teve a missão de ser o primeiro presidente do Tribunal de Justiça do Estado, dando posse aos integrantes da Corte e presidindo seu primeiro julgamento. Organizou o primeiro concurso e também a criação e instalação das Comarcas. Ganhou notoriedade com seu conhecimento jurídico e foi convocado por duas temporadas para ser ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) até aposentar-se pelo limite de idade pelo Tjap.

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