“A força das mães para superar os obstáculos vem de Deus”
Dona de um invejável currículo de quatro mandatos como deputada federal, Fátima Pelaes foi recentemente homenageada por uma revista de circulação nacional por ter conseguido a sanção do presidente da República para um projeto de sua autoria que prevê espaço para a convivência entre mães detentas e seus filhos, exatamente o cenário do maior drama da vida pessoal da parlamentar, que nasceu fruto da violência sexual contra sua própria mãe, que cumpria pena em uma penitenciária feminina. A história ganhou grande repercussão pelo país, mesmo sem ser do domínio público no Amapá. O fato é que essa e outras superações marcaram a trajetória de Fátima, que decidiu falar deste e de outros assuntos importantes em sua trajetória de vida pública. Ela se diz vocacionada para o trabalho social e diz que só as mulheres são capazes da jornada múltipla de ser empreendedora, mãe, esposa e dona de casa. Saiba mais sobre como pensa a deputada federal nessa entrevista franca concedida ao Diário do Amapá.
Diário do Amapá - Datas como o dia das mães suscitam reflexões, é claro, então nesse sentido, o seu filho Iuri tem hoje 21 anos de idade, coincidentemente o mesmo tempo de vida pública da senhora. Como foi essa relação de ser mãe e política ao mesmo tempo?
Fátima Pelaes - Ah sim, eu tenho certeza disso. Quando vejo hoje meu filho já adulto conversando comigo sobre política, mostra que sabe da importância da política na vida das pessoas, pois através dela você pode transformar a realidade. Então vejo que consegui dar conta do meu papel de mãe e ser política e, ao mesmo tempo, ser dona de casa, esposa, enfim. Fui superintendente da LBA (Legião Brasileira de Assistência) em 1985, quando engravidei. Então pensei em me recolher e cuidar mais da minha vida pessoal, quando na verdade foi quando começou mesmo a minha vida pública.
Diário - Como assim, recorde um pouco essa história?
Fátima - Digo sempre que Deus tem um plano na vida da gente. Esperava cuidar um pouco de mim, fazer meu mestrado, cuidar da minha família, mas veio esse projeto político. Foi feita uma pesquisa e viram que meu nome estava muito bem posicionado, então me convidaram para ser candidata à deputada federal. Extamente quando passei um período ruim, ao ter saído da LBA em plena licença maternidade; mesmo assim me tiraram do cargo, quando ganhei o apoio de todos os movimentos de mulheres. Então quando saí do hospital foi praticamente para ser candidata.
Diário - Saiu nos braços daqueles que defendiam sua candidatura?
Fátima - Na verdade foi a minha primeira campanha e quando entrei na convenção fui carregada mesmo. Foi um movimento popular muito grande, mesmo porque eu fazia um trabalho social grande e com a participação de todos, de forma democrática, participativa, uma prática que trago até hoje em todos os meus mandatos. Fui eleita a primeira vez em 1991 e continuo trabalhando pelo Amapá e pelo Brasil com o mesmo entusiasmo, compromisso com a mi-nha terra, com a minha gente, com o meu país.
Diário - Voltando ao seu relacionamento com seu fi-lho, ele participa ativamente da sua atividade política?
Fátima - Sim, ele participa também. Sempre está em reuniões partidárias. Na verdade desde muito menino mesmo ele convivia, ajudava na entrega dos panfletos também e hoje discute muito sobre política em si, sua importância. Isso nos fortalece. Você tendo uma base familiar, uma estrutura com filho e esposo, você se sente muito mais forte para trabalhar o outro. A idéia é observar o problema do ou-tro como se fosse seu.
Diário - Para fechar essa questão do seu filho, ele chega a participar na sua vida pública a ponto de fazer sugestões de proposições parlamentares, claro dentro da ótica dele, como jovem?
Fátima - Sim, também. Porque para você ter esse olhar também da sociedade de uma forma diferenciada, em todas as gerações, então a gente conversa muito, sobretudo porque a política está muito desacreditada perante a juventude. Então a gente precisa ter formas de fazer com que o jovem possa participar da política, de todos, pois é através da política que podemos mudar uma sociedade. Sem ela não se faz as leis do nosso Estado, municípios e até do nosso país. Agora mesmo acabamos de votar dois projetos importantes, como a recomposição salarial dos aposentados e o projeto Ficha Limpa.
Diário - Então a senhoria diria que essa sintonia com jovens como seu filho e os setores da sociedade colaboram para a produção legislativa?
Fátima - Exatamente. Agora mesmo implantamos um projeto denominado Macapá Digital e que nós conversamos muito sobre isso. O projeto está sendo realizado em parceria com a Prefeitura de Macapá e também com a Suframa. Ele atende pessoas que nunca tiveramacesso à internet. Elas podem acessar e também pessoas que já conhecem e que podem fazer cursos on line. O jovem hoje está muito antenado, mas a tecnologia ao mesmo tempo em que se aproxima ela afasta, para quem não tem acesso a ela. Mudou a forma até de se relacionar das pessoas, pois hoje tem o twitter, o Orkut, o Messenger, então sem acesso à internet você fica de certa forma esvaziado, sem contar a questão do mercado de trabalho, que exige conhecimento mínimo da informática.
Diário - Esse projeto de inclusão social é mais um então em sua carreira marcada por projetos para o campo social. A senhora diria que sua história pessoal de ter nascido praticamente dentro de uma penitenciária onde sua mãe estava presa pesou para imprimir uma identidade social a seus mandatos?
Fátima - Quando fui candidata pela primeira vez, em 1990, dizia que iria para Brasília regulamentar os artigos 203 e 204 da nossa Constituição Federal, ou seja, a questão da seguridade social e a previdência. A assistência social estava no tripé da seguridade: saúde, previdência e assistência. E nós conseguimos. Lembro que quando re-gulamentamos esses artigos através da Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS) fui a relatora, reescrevi todo o projeto, discutimos no Brasil todo. A missão foi cumprida, mas tinha muito mais.
Diário - O que, por exemplo, deputada?
Fátima - Procuro sempre trabalhar com a inclusão social, pois é preciso incluir a todos, por isso meus projetos sempre têm esse viés da inclusão social. Para que você possa ter a inclusão é preciso ter o mercado de trabalho preparado para receber as pessoas. A minha história de vida me for-talece. Vim de uma mulher muito pobre, que lutou com todas as dificuldades, que passou por uma vida muito difícil, chegando a ser encarcerada, cumpriu uma pena quando engravidou de mim e eu consegui sobrevi-ver, apesar de todas as dificuldades. Poderia ser uma menina que não se pudesse dizer que não poderia ser nada na vida, pela forma como estávamos vivendo ali.
Diário - E superou mesmo, não é, afinal chegou onde chegou hoje?
Fátima - Conseguimos superar. Acho que o grande presente que eu posso dar não só para a memória da mi-nha mãe, mas para todas as famílias pobres, que passam dificuldades, foi o que fez a matéria da revista Cláudia, de circulação nacional, publicada quando a revista completa aniversário, quando fizeram páginas com mulheres de superação e fui homenageada depois de ter sido aprovada a lei que prevê espaços para convivência de mães e fi-lhos nas penitenciárias.
Diário - O seu projeto foi sancionado pelo presidente Lula em grande estilo, não é mesmo?
Fátima - Isso mesmo, em uma bela cerimônia com a presença do presidente da República, a ministra Dilma (Rous-seff) e a bancada feminina toda ali prestigiando aquele momento. A lei garante às mulheres detentas que elas possam conviver em melhores condições com seus filhos. Ninguém tem direito de tirar uma criança da sua mãe, pois se hoje o Estado garante para uma mulher o direito a uma visita íntima na prisão, então com a possibilidade de gerar uma criança. Vivemos em pleno século 21 vendo crianças convivendo em celas minúsculas com mais de dez, quinze detentas porque não tem espaço.
Diário - Como esse problema poderá ser resolvido então?
Fátima - A partir dessa lei, o presidente Lula determinou que o PAC da Segurança (Programa de Aceleração do Crescimento) ele já prevê espaços diferenciados para essas crianças até o momento que suas mães puderam colocá-las com outras pessoas de suas famílias, mas que ela tenha o mínimo de convivência, afinal o amor de uma mãe faz a diferença. Nada substitui o amor de uma mãe, então a gente tem procurado ter esse olhar materno, o olhar de uma mãe, convivendo com a minha experiência, que a gente sabe o quanto foi difícil para uma mulher que criou praticamente sozinha suas filhas, eu era a sexta. Se ela conseguiu supe-rar, através da educação, sempre nos dando o ensinamento de que quando a gente pensa que está tudo acabado está começando um novo tempo na vida da gente, basta apenas você perceber como é que este tempo vem.
Diário - Ainda sob esse olhar de mãe que a senhor se referiu, foi que surgiu outro projeto importante, o da licença maternidade para as mães adotivas?
Fátima - Isso mesmo, esta é uma lei que o Brasil todo se beneficia, pois é uma forma de estimular para que as mulheres que queiram adotar uma criança possam ter um momento com ela. Então se a mãe biológica tem, então porque a mãe adotiva também não? Defendo acima de tudo a vida, sou uma mulher hoje que tem muito mais clareza disso, que a gente deve procurar de todas as formas garantir a vida e através de uma criança você pode fazer a diferença. Se você pode tirar uma criança de uma situação difícil, faça mesmo.
Diário - Depois do período que a senhora ficou sem mandato de deputada, para concorrer ao Governo do Estado tornou-se depois a primeira secretária de Turismo do Amapá. Como foi essa experiência para quem defende o social?
Fátima - Foi um desafio, mas gosto de desafios. Ali era o começo então o nosso papel foi sensibilizar, fazer com que nós aqui do Amapá pudéssemos entender que temos um potencial turístico e que temos de caminhar nessa direção. A Amazônia é hoje conhecida no mundo todo, o segundo nome mais conhecido, e nós temos a responsabilidade de preservá-la, esse é outro grande desafio. Como a gente vai dar qualidade de vida para nossa gente e ao mesmo tempo preservar a Amazônia? O turismo é sem dúvida alguma essa grande oportunidade para fazer a inclusão social, dar esse desenvolvimento para a Amazônia. Pensei sempre no turismo como inclusão social, para garantir emprego e renda para as pessoas. Fizemos uma administração com a participação de todos, daí a estratégia do Festival Internacional de Turismo, uma estratégia de trabalho, para que todos entendessem que turismo se faz com as nossas coisas, com a nossa gente, pois é isso o que o turista quer ver, como a gente vive, o que é que nós temos, nossas história, nossas belezas naturais. Foi muito bom.
Diário - Depois disso a senhora retornou ao Congresso Nacional. A bandeira do turismo continua sendo empunhada?
Fátima - Tenho trabalhado muito intensamente isso, buscando identificar o nosso potencial, através de estudos, pesquisas e a capacitação também, mas também a parte de infraestrutura, além da promoção e o marke-ting. Posso citar dois grande projetos na área da infraestrutura, o píer do Santa Inês, que já iniciou o processo licitatório, e o parque o Meio do Mundo, porque nós temos um diferencial de estarmos no meio do mundo esquina com o Rio Amazonas. Isso é um ponto forte, podemos di-zer que até um ponto turístico a ser trabalhado intensamente. Estive com o governador Pedro Paulo esta se-mana e ele nos garantiu que vai até julho providenciar todos os trâmites legais para iniciar essa obra.
Diário - Para fecharmos essa entrevista com a reflexão que o Dia das Mães sugere, o que dizer nos dias atuais onde as dificuldades ainda existem, como a violência doméstica, a gravidez precoce, enfim, olhando para trás o que lhe move a continuar?
Fátima - Para mim o Dia das Mães hoje vem com muito mais intensidade. A palavra mãe surge com muito mais força, mas essa força de mãe está presente no dia a dia, tiramos força de onde não temos, na esperança e no amor. Esse amor vem de Deus, que nos conduz, para superar qualquer obstáculo... (pausa), pois Deus de capacita. Quando olho para trás... (lágrimas) fico pensando na minha história, em minha mãe, em como pode nos criar, fazendo com que hoje nós pudéssemos ajudar o Brasil. Quero só agradecer ao povo do Amapá, porque a gente conseguiu e consegue fazer de um limão uma limonada e isso uma mãe sabe o que é. Então força, coragem que a gente consegue vencer.
Perfil da entrevistada
Fátima Lúcia Pelaes é amapaense, casada e mãe de um filho. Socióloga por formação (Universidade Federal do Pará - UFPA, Belém, 1978-1989); Especialista em Planejamento e Administração de Projetos de Geração de Renda (Universidade Federal do Ceará - CETRED, 1984). Atuou como Superintendente da Legião Brasileira de Assistência, em Macapá (1986-1989); na Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional - FASE, em Belém (1981); Pastoral Carcerária do Amapá (1982-1986); Secretaria de Trabalho e Cidadania do Amapá - SETRACI (1983-1985); Secretaria de Turismo do Estado do Amapá (2004-2006), como secretária de Estado; Presidente do Instituto Teotônio Vilela (2003-2004). Cumpre seu quatro mandato como deputada federal, sendo que interrompeu a sequência dos três primeiros para disputar a eleição para governadora do Amapá, em 2002; em 2004 concorreu à Prefeitura de Macapá e depois foi eleita deputada federal, em 2006; em 2008 nova tentativa de chegar à Prefeitura de Macapá.
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