Em meados de agosto, uma carga de milho colhida no médio-norte de Mato Grosso será embarcada em uma carreta e percorrerá cerca de 1.000 quilômetros pela BR-163 até ser descarregada em uma estação de transbordo na localidade paraense de Miritituba, encravada na margem direita do Rio Tapajós.
De lá, seguirá por 820 quilômetros de hidrovia em um comboio com nove barcaças e capacidade para transportar até 25.000 toneladas. O destino será o píer 2 do Porto de Santana, no Amapá, de onde um navio graneleiro partirá carregado com 55.000 toneladas rumo ao mercado internacional.
Se tudo correr como o planejado, será a primeira vez que um ambicioso sistema de logística, que vem sendo erguido há cinco anos, pela Companhia Norte de Navegação e Portos (Cianport), irá operar em seu ciclo completo, da lavoura ao porto, do Centro-Oeste ao Arco Norte.
Formada por duas gigantes do agronegócio de Mato Grosso, a Fiagril (de Lucas do Rio Verde) e a Agrorural (de Sinop), a Cianport vem tirando do papel, à custa de investimentos de mais de R$ 350 milhões, uma nova rota de escoamento para até 6,6 milhões de toneladas de grãos.
Na região de Miritituba, está tudo pronto: tombadores para carretas, silos de armazenagem, circuito de esteiras para transporte, carregador de barcaças e terminal de atracação, que é flutuante. A estrutura, que tem capacidade para movimentar até 5 milhões de toneladas por ano, aguarda apenas a licença de operação.
Também foi concluída a construção do primeiro comboio, com nove barcaças e capacidade para transportar até 25.000 toneladas. Outro comboio, com a mesma capacidade, deverá ser entregue até agosto – o que significará metade da frota prevista.
Em Santana, cidade de 110 mil habitantes localizada a 20 quilômetros da capital, Macapá, o terminal de grãos erguido pela empresa na área do porto público dispõe de balança, três silos, com capacidade para 18.000 toneladas cada, esteira e descarregador de barcaças. Pode movimentar até 1,6 milhão de toneladas por ano.
A estrutura já havia sido usada em setembro do ano passado para uma inédita exportação de 25.000 toneladas de soja produzida no Amapá. O carregamento do navio grego Alexia, que depois seguiria em direção ao Porto de Roterdã, na Holanda, foi um dia de festa que reuniu autoridades e produtores locais.
Na ocasião, porém, toda a carga chegou ao terminal por rodovias, trazida na caçamba de caminhões. “A carga de milho que traremos de Mato Grosso, entre agosto e setembro, será o primeiro teste para a rota completa”, relata Gilberto Coelho, gerente-geral do terminal da Cianport.
Essa etapa está longe de concluir os planos da empresa para o Amapá. Em frente ao Porto de Santana, a 700 metros em linha reta, uma ilha de mesmo nome abriga uma área de 20,8 hectares onde será construída a principal estrutura do projeto: um terminal privado para 5 milhões de toneladas.
Em mais uma edição do projeto Caminhos da Safra, a reportagem de Globo Rural visitou, pela primeira vez, a região de Macapá para conhecer os investimentos em logística e ver de perto seus efeitos sobre a nascente produção agrícola local. Apesar dos muitos desafios a superar, o clima não poderia ser mais otimista.
No limite
Publicada em janeiro de 2017, a versão preliminar do Plano Mestre do Complexo Portuário de Santana, do Ministério dos Transportes, Portos e Aviação Civil (MTPA), prevê uma evolução espetacular na demanda por cargas de grãos e farelos na estrutura nos próximos 30 anos.
“O Amapá conta com 2,4 milhões de hectares de recursos florestais, 500.000 hectares de cerrados para a produção de grãos e ainda conta com muitos recursos naturais como manganês, ferro e granito, portanto, é necessário ampliar e modernizar ainda mais o porto, para permitir que possa tornar-se mais relevante”, diz o estudo em um trecho.
“O Amapá conta com 2,4 milhões de hectares de recursos florestais, 500.000 hectares de cerrados para a produção de grãos e ainda conta com muitos recursos naturais como manganês, ferro e granito, portanto, é necessário ampliar e modernizar ainda mais o porto, para permitir que possa tornar-se mais relevante”, diz o estudo em um trecho.
A Companhia Docas de Santana (CDSA) sabe que a estrutura atual, com dois berços de 150 e 200 metros de extensão, alcancará seu limite operacional já em 2018. “Com a perspectiva desse aumento, estamos à procura de investidores para desenvolver o porto e assegurar mais obras”, diz Victor Hugo Holanda, diretor operacional da CDSA.
Segundo ele, a perspectiva de crescimento está amparada em grande parte na posição geográfica privilegiada. “Santana é o porto brasileiro mais próximo da Europa, da África e da saída para o Caribe e o Canal do Panamá, que é o grande facilitador da logística internacional”, afirma.
Entre os investimentos previstos, segundo ele, estão os estudos para um canal no Rio Amazonas, com o objetivo de amenizar um dos principais gargalos: a limitação de calado na chamada Barra Norte, que hoje é de 11,5 metros – o que permite a passagem de navios para, no máximo, 55.000 toneladas.
A área disponível do porto público é de 170.000 metros quadrados, sendo que metade está ocupada atualmente. De acordo com o diretor, uma área de 80.000 metros quadrados está em fase de licenciamento ambiental e deverá ser colocada à disposição para arrendamento nos próximos anos. Temos outra área, de 50.000 metros quadrados, que está em demanda judicial, mas com parecer favorável ao porto para reintegração, ou seja, temos espaço para crescer”, afirma.
O porto hoje movimenta principalmente minério de ferro, derivados de petróleo e pellets de madeira, mas o carro-chefe deverá ser mesmo o agronegócio, admite o diretor. Além de um novo berço, especializado em grãos, a CDSA já tem projeto para um novo acesso rodoviário ao porto, apostando no aumento das cargas oriundas das fazendas locais.
A Cianport estima começar em 2018 as obras do TUP (Terminal de Uso Privativo) da Ilha de Santana. O projeto está dividido em três fases, sendo a primeira a construção da infraestrutura de armazenagem, carga e descarga de grãos.
Um píer, com 300 metros de extensão, será implantado a 122 metros da margem e terá dois berços de atracação (um interno, para barcaças, outro externo, para navios). Para a armazenagem de grãos, estão previstos dois armazéns, com capacidade estática total de 180.000 toneladas.
O gerente Gilberto Coelho explica que o terminal do porto público continuará em operação após a inauguração do TUP. “Mesmo com menor capacidade, o terminal atual será muito importante, pois vai nos permitir mais margem de manobra para diferentes tipos de carga, como grãos transgênicos e não transgênicos”, diz.
Outra vantagem da operação conjunta será a possibilidade de lidar com a diferença entre as “janelas” de produção de soja em Mato Grosso e no Amapá. “Em Mato Grosso, a colheita ocorre entre março e abril. A safra daqui é de julho a agosto, quando já estaremos escoando o milho de segunda safra. Então, a vantagem é que vamos estar sempre com as portas abertas.”A segunda fase do projeto é a construção de um complexo industrial que abrigará uma esmagadora de soja, fábricas de ração e biodiesel e uma misturadora de fertilizantes. Já a terceira prevê a diversificação de cargas, com estrutura para transporte em contêineres.
Outro investimento privado prestes a entrar em operação em Santana é o da Caramuru Alimentos, que ergueu um terminal de armazenagem próprio na área do porto público para exportação de farelo de soja do tipo SPC (proteína concentrada de soja), um produto de alto valor agregado que é utilizado na Europa para a fabricação de rações para peixes como o salmão.
Assim como a Cianport, a empresa também investiu em uma estação de transbordo em Miritituba, para onde irá remeter o farelo que produz na fábrica de Sorriso (MT). Atualmente, a produção da companhia segue por caminhão por 2.300 quilômetros até o Porto de Santos (SP), rota que aumenta em cinco dias, em média, o percurso marítimo até os principais portos internacionais.
Além de duplicar a capacidade atual da fábrica em Mato Grosso (de 160.000 toneladas), a Caramuru tem planos para abrir uma esmagadora no Amapá, de olho na esperada expansão das lavouras locais.
ÚLTIMA FRONTEIRA
Gilberto Coelho reconhece que a “espinha dorsal” de todos esses investimentos é a produção de Mato Grosso. Mas assegura que os produtores amapaenses terão muito a ganhar em curto prazo, não apenas pela possibilidade de escoamento da produção, mas também no acesso a insumos.
“O Amapá é a última fronteira agrícola do Brasil porque não havia unidade portuária. Então a empresa está apostando que vai haver um grande aumento, pois a lavoura mais longe está a 200 quilômetros daqui. Vamos escoar a produção local e trazer insumos, que hoje vêm de Paragominas, no Pará, a preços competitivos, ”, afirma.
A concretização dos investimentos colocou o Amapá no radar de desbravadores de todo o Brasil. Todos os dias, novos interessados telefonam ou batem à porta da sede da Associação dos Produtores de Soja e Milho do Estado do Amapá (Aprosoja-Amapá).
Criada em fevereiro de 2015, a entidade reúne 25 associados com áreas em produção e outros 50 em fase de abertura de novas áreas. Apenas nos primeiros três meses de 2017, dez novos produtores se associaram.
“As terras dobraram de preço nos últimos três anos”, afirma o sojicultor Daniel Sebben, presidente da Aprosoja. Oriundo do município de Campos de Júlio, um dos grandes produtores de grãos do oeste de Mato Grosso, Daniel é um dos que apostam no futuro da agricultura local.
PRESENTE E FUTURO
Em 2017, diz ele, os produtores vão colher 20.000 hectares, dez vezes mais que há cinco anos. O potencial, porém, é muito maior. “Podemos chegar a 400.000 hectares, ou seja, ainda não alcançamos nem 5% de onde podemos chegar. E, com os investimentos portuários, será a melhor logística do Brasil”, afirma.
O movimento já muda a economia local. Em Macapá, uma grande loja de insumos e consultoria agrícola foi aberta recentemente. E a mão de obra especializada também começa a chegar, atraída por bons salários e a perspectiva de crescer junto com o setor.
É o caso do engenheiro agrônomo Wedisley Moraes, de 33 anos. Natural de Jataí (GO), ele deixou uma carta consolidada de clientes na região para se aventurar na Amazônia e garante: não se arrependeu. “As terras do cerrado daqui não perdem para nenhum outro lugar do Brasil”, diz.
O desafio, segundo ele, é construir um modelo de plantio que leve em conta as particularidades climáticas do Estado. “Com variedades corretas e pesquisa, em breve também teremos nossa segunda safra.”
*Esta reportagem faz parte da edição de julho de revista Globo Rural
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