sexta-feira, 21 de julho de 2017

“Nos dias atuais acho interessante pregar para a juventude a honestidade e a lealdade”

Num momento de instabilidade no país, um coronel do Exército aceita falar de tudo em uma entrevista franca, sobre 1964, serviço militar obrigatório, Bolsonaro e pedidos por (nova) intervenção.
Coronel Robson Mattos, falando ao jornalista Cleber Barbosa, no programa Conexão Brasília.
Cleber Barbosa
Para a Revista Diário

Revista Diário – Recentemente, em cerimônia no 34º BIS, o senhor falou aos recrutas e familiares, pregando honestidade. Como isso funciona hoje, exatamente quando o país passa por uma crise tão aguda?
Cel. Robson Mattos – Entendo que a honestidade e a lealdade são os atributos que mais têm que ser evidenciados. A gente costuma dizer que as Forças Armadas têm os pilares de hierarquia, disciplina, honestidade e lealdade. Então, em dias em que o país parece viver numa crise de toda ordem, sobretudo ética, acho interessante pregar a honestidade e a lealdade para a juventude. Toda vez que converso com eles ou falo com meus subordinados, digo que a honestidade vem na frente de qualquer pensamento. Todos temos o ide, o ego e o superego. Em algum momento deixarmos o lado negativo vencer, e a gente acaba que não é totalmente honesto. Mas sabemos qual é o lado correto. Quando pensamos muito e não segue a honestidade, acaba que pecamos nesse lado.

Diário – Pregar para uma turma anual de recrutas é ajudar a mudar o país,  digamos assim?
Cel. Mattos – Sim. O país precisa disso. Nós, como formadores de homens, recebemos o jovem com 18, 19 anos, e aqui a gente complementa a formação que ele iniciou em casa. É difícil nessa fase você iniciar uma formação moral. Você complementa ou aperfeiçoa essa formação. E todos eles têm idade para ser meus filhos... [risos] Eu tenho uma filha de 18 anos, então o que eu digo para eles [os recrutas] digo para a minha filha. O tempo que tenho para conversar, a gente procura pregar isso, dar exemplo sobre as coisas positivas e negativas que a gente vê no mundo, ou coisas que a gente até já passou para que eles não tenham o dissabor de ser desonestos ou desleais. Eu sempre digo que a honestidade é um preço que se paga caro.

Diário – Sobre isso, recentemente, na decisão do Campeonato Paulista de Futebol, houve grande discussão a respeito de um zagueiro que ajudou o árbitro a não cometer uma injustiça, sendo honesto, mesmo prejudicando o próprio time. Então, toda essa discussão ética pode forçar a termos mudanças no país?
Cel. Mattos – Eu acho que o nosso país está vivendo uma crise que muitos países em desenvolvimento vivem ou já viveram. E a própria história da política mostra que essas crises são cíclicas. Elas giram como se fosse a Terra em seu movimento de rotação, sabe? A gente passa um tempo melhorando o nosso sistema, com reformas políticas e econômicas, e chegamos num ápice até que haja uma nova crise e depois se começa novamente o processo de correção. Mas acredito que vivemos a maior crise que o país já encontrou, pois crise econômica nós já vivemos várias, a de 1929, a de 2008 e tantas outras, como a de 1964; e o país sobreviveu, viveu, cresceu e melhorou. Só que a crise identificada agora, por mais que se julgue, entendo que o maior peso dela é, sim, a ética, e quando a gente fala em ética a gente fala em base que quando está adoecida ou amolecida, aí eu acho que isso preocupa mais, afinal, como fazer uma reforma ética? Aí a gente vê que a educação é um pilar básico do desenvolvimento da ética, a educação familiar e a educação escolar; uma criança passa muitas vezes mais tempo com um professor numa sala de aula do que com os pais. É como aqui, esses jovens [os recrutas] passam numa operação até vinte e quatro horas conosco, no quartel, então nós somos formadores éticos, formadores de caráter. Se os formadores não trabalharem isso, acho difícil a gente atacar essa tal crise ética e moral.

Diário – Há quem critique a obrigatoriedade do serviço militar. Por que ele ainda é uma exigência legal?
Cel. Mattos – No nosso caso nem precisaria ser obrigatório, pois todos os recrutas que incorporam são voluntários. A gente tem aproximadamente cinco mil jovens que se alistam por ano, e a gente pré seleciona aproximadamente setecentos, mas só entram para servir duzentos recrutas. A grande maioria é voluntária para servir, só que não tem vaga pra todo mundo. Atualmente nem chamamos de serviço militar obrigatório, mas serviço militar inicial, pois acaba sendo o primeiro emprego para muitos desses jovens, em que são colocadas à disposição deles muitas ferramentas, como a dedicação, desempenho físico, a ferramenta cognitiva que eles fazem testes, aprendem e desenvolvem intelectualmente.

Diário – O senhor falou sobre 1964. Como na formação desses recrutas aquele período militar é abordado?
Cel. Mattos – Na verdade, existem correntes. É difícil falar de 64. Falar daquele período é lógico que se toca em temas polêmicos, pois é óbvio que aconteceram excessos, de ambos os lados. O comandante do Exército [general Villas Boas] já falou sobre esse assunto e é um profundo conhecedor, muito mais que eu. Mas entendo assim: 64 foi um movimento que aconteceu no Brasil e que era necessário, a exemplo do que se fala hoje, pedindo intervenção militar. Naquela época também houve por parte de uma parcela da sociedade o pedido da intervenção, da própria Igreja, inclusive; o país vivia um momento difícil, então as Forças Armadas assumiram o poder, a exemplo do que se vê hoje, desde a questão do impeachment e até recentemente um movimento em todo o país em frente aos quartéis, pedindo intervenção.

Diário – E isso é possível? Uma nova intervenção?
Cel. Mattos – Nós sabemos muito bem qual é a nossa posição pela Constituição. A posição das Forças Armadas é garantir a legitimidade, a legalidade e a estabilidade. Quando um desses pilares for afetado é que as Forças Armadas entram na jogada, só que são momentos distintos em relação a 64; hoje a gente sabe o que aconteceu. O país vivia um período muito difícil, mas os 20 anos que se sucederam foram anos gloriosos para o nosso país. Às vezes isso não é falado nas escolas, mas eu já recebi vários e-mails, mensagens de whatsapp falando sobre os feitos dos governos militares, só que muitas vezes o ser humano é muito crítico, ao invés de enxergar as coisas que avançaram, prefere apontar os defeitos. Todos nós temos defeitos, mas também qualidades. Ontem mesmo recebi mensagem falando que nosso país tinha “x” quilômetros de estradas e que nos 20 anos de governo militar isso aí multiplicou por dez ou 20 vezes; tivemos hidrelétricas lançadas que alavancaram a matriz energética do país; então foram uma série de ganhos que o Brasil teve na educação, saúde, nos transportes, enfim, que fizeram o país crescer. É difícil dizer como seria se não tivéssemos assumido o governo naquela época. O país vivia um caos.

Diário – No cenário internacional o mundo estava dividido entre capitalismo e socialismo. Era um ou outro, não é?
Cel. Mattos – Exatamente. O país vivia um pós guerra de falta de identidade. A Guerra Fria comendo solta e a gente sem uma identidade, pois aquilo que tinha acontecido na II Guerra; os heróis da nossa guerra já tinham 20 anos, então o país estava carecendo de uma referência e a invasão do ideal comunista, que vinha do outro lado do mundo, estava afetando as nossas bases, e a crise que sempre rondou o estado brasileiro é um campo fértil para esse tipo de pensamento. Aí a gente pode falar de várias outras coisas, os ideais gramscistas, que você identifica quando estuda um pouco mais a fundo o que aconteceu naquela época, pois na verdade as Forças Armadas não têm outro interesse político. O militar é apartidário, não tem ideal político; o nosso ideal é garantir a paz, defender o nosso país e fazer com que a sociedade viva melhor.

Diário – Depois desse período, as Forças Armadas têm procurado se comunicar melhor, ser mais transparente?
Cel. Mattos – Sempre digo que saímos da era industrial. O mundo viveu várias eras, e a última, a industrial. Se a gente for observar o século 21 ou o terceiro milênio, entramos forte na era da comunicação ou era da informação. Quem não consegue se comunicar com velocidade não chega a lugar nenhum. A Força [Forças Armadas] teve que aprender a fazer isso. As Forças Armadas adotaram uma postura com relação ao período dos governos militares que naquela época talvez coubesse, mas hoje, considerando que vivemos a era da informação, talvez fosse fatal, pois não comunicamos o que fizemos. Eu converso com a minha filha, e ela não sabe realmente o que levou à tomada do governo pelos militares; ela não sabe o que o país cresceu naqueles 20 anos, não atentou para a forma pacífica como o governo foi devolvido à sociedade civil, novamente. Isso porque nós não comunicamos. Hoje nos comunicamos, acho que razoavelmente bem; ao comunicar, no Facebook, por exemplo, temos milhões de acessos, recebemos elogios e sofremos críticas; e por incrível que pareça com as críticas a gente cresce muito mais, a gente pode corrigir um erro que a gente cometeu e que talvez aqui dentro não tenha sido percebido. Então acho que estamos entrando bem na era da informação.

Diário – E as pesquisas? Como isso também é trabalhado na estratégia de comunicação?
Cel. Mattos – Na década de 90 as Forças Armadas entraram forte dentro do que prega a gestão; temos analisado indicadores que chamamos de desempenho. E um dos indicadores de desempenho são pesquisas como as das instituições de maior credibilidade, apontando as Forças Armadas como de maior credibilidade em nosso país.

Diário – Nos últimos anos, muitas competições esportivas e até alguns atletas de ponta passaram a ter o patrocínio das Forças Armadas e têm se destacado. Isso também é uma estratégia ligada a essa questão da imagem?
Cel. Mattos – Na verdade, hoje as Forças Armadas trabalham em diversos programas que nem sempre estão ligados à segurança e defesa. Esse programa dos atletas é um exemplo. Nas Olimpíadas do Rio tivemos atletas medalhados. O patrocínio que as Forças Armadas dão não seria bem um patrocínio, ela dá o suporte ao atleta, que incorpora às Forças Armadas como militar temporário com salário, e cumpre expediente treinando. O resultado é esse: nos poucos anos em que as Forças Armadas apoiaram atletas já tivemos uma gama deles ganhando medalhas.

Diário – Mas também participando de competições militares, não é?
Cel Mattos – Sim. Qualquer competição serve para o atleta verificar o seu nível. Então, ao longo da preparação eles participam de competições militares, mas o objetivo maior são as competições internacionais, as olimpíadas, os mundiais. Mas não existe só esse programa, tem o Força no Esporte, que o Profesp, projeto do Ministério da Defesa em parceria com o Ministério do Esporte, em que a gente pega crianças em situação de risco social e trazemos para os quartéis, onde passam meia jornada, no contraturno da escola. Aqui tomam café, fazem esportes, têm instruções de civismo, patriotismo, honestidade e lealdade, enfim, é um programa fantástico em que as crianças ficam aqui três dias por semana, aprendendo muito. Temos também o programa Soldado Cidadão, onde preparamos os recrutas antes deles irem dar baixa [do serviço militar], e eles então fazem cursos profissionalizantes de um, dois meses no Senai, Senac, e eles saem daqui muitas vezes com uma profissão, pedreiro, manutenção de ar condicionado, eletricista, controlador de almoxarifado, enfim, então eles saem daqui além dos atributos militares, saem com uma profissão.

Diário – Nessa questão das especulações, as redes sociais são um campo fértil para isso, não é? 
Cel. Mattos – As redes sociais são uma ferramenta que a sociedade tem hoje para para expressar a sua opinião. O que nós temos de retorno, de feedback pelas redes sociais, a esmagadora maioria é positiva. Mas muitas vezes há opiniões que têm fundamento que muitas vezes não nos apercebemos. Essa chamada de atenção pela rede social serve como indicador para melhorarmos, para identificar uma oportunidade de melhoria e atuarmos naquele ponto em que fomos falhos. Não vivemos só de flores, temos que ter maturidade para entendermos a crítica e separar aquela crítica que não leva a lugar nenhum daquela crítica construtiva.

Diário – Por falar em redes sociais tem um fenômeno chamado Bolsonaro, um ex capitão, como o Exército vê a pré candidatura dele a Presidente da República?
Cel. Mattos – Não existe uma ligação do Exército com o deputado Jair Bolsonaro. Ele realmente foi militar, mas obviamente as coisas que ele fala ou que prega são ideais dele; junto com o que ele fala tem ideias que também comungamos, como eu falei, tudo que for direcionado para a lealdade, integridade, honestidade, tem a ver com as Forças Armadas. Mas também tem coisas que não são coadunadas pelas Forças Armadas. Então, na verdade, hoje não existe uma ligação institucional do deputado com o Exército Brasileiro.

Diário – No regulamento disciplinar do Exército existe que espaço para faltar com a verdade?
Cel Mattos – Nosso RDE, Regulamento Disciplinar do Exército, tem o Anexo I, que enumera uma centena de transgressões disciplinares que se o militar incorrer poderá ser punido. O primeiro item é  “faltar com a verdade”. Indica que para nós a primeira coisa que lembramos é que o militar não pode faltar com a verdade.

Diário – A exceção seria numa situação de guerra, o blefe. Ele faz parte das estratégias operacionais para enganar o inimigo?
Cel. Mattos – [risos] Temos técnicas militares. Se falarmos em camuflagem, temos a simulação, a dissimulação e o mascaramento. A dissimulação é você fazer uma coisa parecer o que ela não é. Eu pego um monte de palha de coqueiro, abro ela e faço um desenho de avião no chão, e cubro ela com alguma coisa verde, para que quem olhe de cima, no reconhecimento aéreo, ache aquilo ali um avião pousado. Isso fará o inimigo gastar sua munição, lançando naquele avião, que não é avião, e ainda denunciará sua posição; isso aí é dissimulação; se você me perguntar se isso é uma mentira, em guerra é uma técnica de dissimulação, mas o militar não mente!

Diário – Obrigado por sua entrevista.
Cel. Mattos – Eu que agradeço em poder falar de uma instituição tão ligada à sociedade brasileira. O Exército existe para defender, não existe outra finalidade das Forças Armadas, com o Exército, inserido, senão defender e dar segurança ao país.


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