O aproveitador
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Dom Pedro José Conti
Bispo de Macapá
Era uma vez um sujeito que marcava presença em todos os casamentos da cidade. Sabendo de algum, vestia-se e ia para a igreja. Depois, acompanhava os noivos participando das comemorações. Os parentes e amigos da noiva pensavam que ele fosse um dos convidados do noivo. Os parentes e amigos do noivo pensavam que fosse, ao contrário, convidado da noiva. Assim, participava de todos os casamentos. Um dia, porém, um parente quis saber quem ele era de verdade e perguntou-lhe:
- O senhor é parente do lado do noivo ou do lado da noiva?
- Sou do lado da porta – respondeu ele, indo buscar o chapéu e enfiando a saída. No entanto, levava uma boa comida no bucho. Um exemplo de oportunismo ou de cara de pau.
No segundo domingo do Tempo Comum, encontramos um evangelho bem conhecido, o das bodas de Caná que está no segundo capítulo do evangelho de João. Após os primeiros dois “dias”, no “terceiro” aconteceram as bodas de Caná. A mãe de Jesus estava lá e também ele, junto com os discípulos, foi convidado. É fácil perceber que o que está para acontecer é muito mais do que uma simples festa de casamento, que arriscava acabar mal por falta do vinho. João evangelista quis nos antecipar a própria missão de Jesus. Para entender isso, basta lembrar a riqueza do sinal do casamento e... do vinho melhor.
Em geral, espera-se que os noivos casem por amor e que sejam felizes, digamos, para sempre. Ninguém deseja que algo contrário aconteça. No entanto, para que a “festa” do amor continue mesmo a vida inteira, ela deve ser preparada, ou seja, dificuldades, incompreensões, infidelidades podem aparecer. Precisam estar prevenidos. Quantos casamentos acabam no primeiro obstáculo, na primeira mentira. O “vinho” estocado foi pouco. Os sonhos, as promessas e as juras acabaram rapidamente. Tudo parece desmoronar. Com a desconfiança, o outro ou a outra passa a ter comportamentos estranhos, irreconhecíveis. Quem podia imaginar tudo isso? Até aqui, a experiência humana, pessoal, do casal, mas também do “Povo de Deus” no seu conjunto. É difícil ser fiéis até o fim à Aliança com Deus. As tenta&c cedil;ões aparecem de repente, uma atrás da outra. Ídolos disfarçados de aventuras, com o gosto do proibido, do ninguém vai saber. O resultado final é sempre o afastamento dos dois. Acontece a separação; pode não ser sempre oficial e visível, mas é a realidade: cada um pelo seu caminho. Indiferentes.
Porém se o ser humano desiste de buscar a Deus, Deus não desiste de continuar a buscá-lo, a chamá-lo, a amá-lo. Deus está agora, com Jesus, realizando uma nova Aliança, ou melhor, o pleno e perfeito comprimento da antiga, para sempre, definitivamente, uma Aliança Eterna. Por isso, o vinho que Jesus oferece – que vem da água das antigas tradições preparada para a purificação ritual – agora é melhor. Tudo novo e melhor. Assim, a festa do amor não acaba mais, renova-se sempre e para sempre. O vinho também é o sinal da Eucaristia, o sangue de Jesus derramado até a última gota na cruz. Uma Nova Aliança, não mais feita com o sangue de animais, mas com o sangue do próprio Cordeiro, o Filho que o Pai enviou. Um amor sem fim.
Cada celebração da Eucaristia, cada memorial da Páscoa do Senhor é a Nova Aliança acontecendo. O encontro entre o amor sempre oferecido de Deus com o amor ainda conturbado, inseguro e, às vezes, infiel do cristão. Devia ser uma festa, grande, bonita, alegre, para nunca acabar. Uma festa de “casamento” – aliança de amor – oferecida a todos, os de perto e os de longe, sem exclusões. Uma grande fraternidade, uma grande partilha, uma só família de irmãos no Senhor. Uma nova humanidade. Pena que alguns não entendam tudo isso; prefiram uma festinha particular, só para convidados especiais, escolhidos. Outros conseguem entrar na festa, mas só para aproveitar e pedir algum favor pessoal. No fundo, a grande festa do amor não lhes interessa.
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