O exercício de progressão em área de conflito, no 34º BIS, simula a atuação do jornalista em uma zona de guerra real. |
Para a Revista Diário
Como parte das atividades desenvolvidas pela Operação Ágata 10, que mobiliza tropas federais de várias partes do país para o Amapá, o Comando Militar do Norte, que representa o Exército Brasileiro na Amazônia Oriental, ofereceu 21 vagas para jornalistas no ECAM 2015 (Estágio de Correspondente de Assuntos Militares) mais conhecido como “correspondente de guerra”. O treinamento – inédito no Amapá – reuniu 21 jornalistas do estado, entre acadêmicos do curso de comunicação social da Unifap (Universidade Federal do Amapá) e da Faculdade Estácio Seama, como também quatro jornalistas profissionais que atuam na imprensa local.
O curso foi aberto na segunda-feira (19), no quartel do Comando da Fronteira Amapá e 34º Batalhão de Infantaria de Selva (BIS). O treinamento consiste em instruções teóricas e práticas sobre o funcionamento e a missão do Exército, bem como das demais Forças Armadas, além de simular situações de ambiente hostil, semelhantes ao que um profissional correspondente militar poderá enfrentar em situação de cobrir uma missão real.
ALIMENTAÇÃO
Já no primeiro dia de estágio, os alunos puderam radicalizar na hora da primeira refeição, pois o cardápio do almoço foi “Ração Operacional R-2”, que nada mais é do que a alimentação de um militar deslocado para missões em que não há meios de levar a cozinha tradicional. Os alimentos passam por um processo físico-químico que os levam a quase secar, podendo ser consumido após a mistura com água quente – ou até natural. O kit que o Exército Brasileiro oferece a seus militares se assemelha ao que outros Exércitos pelo mundo oferecem.
Estagiários recebem instruções sobre como sobreviver na selva.
Mais que um grande passo profissional, os alunos do ECAM 2015 tiraram lições para toda a vida. A maioria nem mesmo prestou o Serviço Militar Obrigatório, portanto foi a primeira vez que entraram em um quartel do Exército. E ainda puderam vestir da farda camuflada que simboliza o soldado da Amazônia. No segundo dia do treinamento, no dia 21 de outubro, eles receberam instruções sobre como sobreviver na selva, caso possam sofrer um acidente aéreo, fluvial ou mesmo se perder numa mata.
Instrutores e monitores experientes, todos ostentando o brevê característico de quem frequentou o Curso de Operações na Selva, no temido e respeitado CIGS (Centro de Instrução de Guerra na Selva), em Manaus, se revezavam em dar dicas importantes para não sucumbir em um ambiente hostil como uma floresta tropical. Na verdade, pelo que disseram os militares, dá para garantir condições mínimas de sobrevida até a chegada de resgate, se forem seguidas as orientações corretamente.
Em um ambiente de mata, nos fundos do quartel do 34º BIS, os estagiários passaram por três instruções distintas: “Obtenção de água e fogo”, “Obtenção de alimentos de origem vegetal” e “Obtenção de alimentos de origem animal”. A primeira importante dica repassada pelos instrutores foi para o instante da constatação de que o jornalista estará perdido na mata. E a base é uma sigla, como tantas outras que os militares utilizam para diversas situações. “Lembrem-se do ESAON”, dizia o primeiro-sargento Constantino, experiente instrutor do CIGS. Essa sigla é formada pelas iniciais das palavras ESTACIONE, SENTE-SE, ALIMENTE-SE, ORIENTE-SE e NAVEGUE, uma espécie de rito para um sobrevivente seguir em ambiente de floresta.
A experiência, apesar de ser considerada por muitos algo diferente demais do dia-a-dia de um jornalista, acabou agradando gente como o acadêmico Lázaro Gaya. “O gosto da ração é muito diferente de qualquer coisa que eu já havia comido antes, mas a gente ficou bem alimentado o resto do dia, pois trata-se de uma alimentação muito bem balanceada para o nível de exigência de um militar, que a gente sabe é praticamente um atleta de alto rendimento”, disse o estagiário, que não hesitou em nenhuma das ‘amostras’ que lhes eram oferecidas a título de degustação.
RIGOR
Os recrutas do Exército que são incorporados em unidades da Amazônia passam por um treinamento semelhante de sobrevivência, que inclui passar três dias na floresta alimentado-se apenas daquilo que conseguirem retirar da natureza. “A floresta é um verdadeiro shopping center”, resume o subtenente Jânio, que ministrou o curso no 34º BIS.
Seguiram-se várias demonstrações sobre como obter água, fogo, abrigo, alimentos da vegetação e proteínas animais, como aves – que na simulação foram substituídas por frangos. Amostras de raiz, de plantas para chá e vinhos de palmeiras como a do açaí e da bacaba foram distribuídas aos estagiários. Mas um dos momentos emblemáticos foi o consumo da larva do coco, que pode ser comida ainda viva – mais recomendado – o que serviu como teste de fogo para os jovens estagiários. "Tem gosto de coco apenas”, dizia a jornalista amapaense Karla Samara, que também é soldado do Corpo de Bombeiros Militar do Amapá.
Ao final do treinamento, já tendo passado bem da hora do almoço, os alunos do ECAM puderam consumir o “sopão” de que tanto se fala quando os recrutas assam pela Operação Boina e a Sobrevivência na Selva. Na verdade os jornalistas consumiram uma boa e velha canja de galinha, sem temperos ou legumes, mas que serviu para dar um “tapa” na fome que já apertava...
No treinamento real dos militares, tantos os recrutas como oficiais e sargentos que são transferidos de outras partes do país para organizações militares da Amazônia, o sopão é feito com as sobras dos animais usados para a demonstração dos alimentos de origem animal.
ÁGATA
Foram selecionados seis estagiários do ECAM para a cobertura de uma missão real. Eles embarcaram em um avião da Força Aérea Brasileira (FAB) em direção a Oiapoque, palco da Operação Ágata 10, na faixa de fronteira dos Estados do Pará e Amapá. Este ano, 1.400 militares da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, além de 100 profissionais dos Órgãos de Segurança Pública e Agências do Estado Brasileiro, como a Fundação Nacional do Índio (FUNAI), Sistema de Proteção da Amazônia (SIPAM), Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), Ministério do Trabalho, entre outras. Ao todo, cerca de dois mil quilômetros de fronteiras, entre os municípios de Oiapoque (AP) e Oriximiná (PA), foram cobertos pela Operação, com ações militares preventivas e repressivas na fronteira marítima com a Guiana Francesa, nas águas interiores e na faixa de fronteira, que situa-se a 150 quilômetros a partir da divisa. O objetivo era contribuir para a redução das ações do crime organizado, práticas ilícitas e intensificar a presença do Estado nas áreas. Foram patrulhamentos e controle de vias terrestre, fluvial e aérea; levantamento, autuação, interdição e destruição de pistas de pouso clandestinas; fiscalização de produtos controlados e apreensão de materiais irregulares.
Em situação de guerra, tratados e convenções garantem proteção a jornalistas, que devem adotar postura de neutralidade
No terceiro dia de instruções do ECAM (Estágio de Correspondente de Assuntos Militares), os estagiários-jornalistas tiveram uma importante instrução com o procurador da República André Estima, do Ministério Público Federal no Amapá. Ele discorreu sob o tema “Direito Internacional dos Conflitos Armados". Uma das muitas informações repassadas por ele diz respeito a garantias e prerrogativas de um profissional jornalista que atue como correspondente de guerra, pois existem tratados e convenções internacionais que garantem proteção a esse profissional.
O membro da Procuradoria da República disse que a ressalva que é feita diz respeito à postura de imparcialidade de um jornalista correspondente. “O repórter que cobre um conflito armado jamais poderá tomar partido de A ou de B na guerra, deve se limitar a apenas registrar os acontecimentos e relata-los à sociedade por meio de suas reportagens, pois se ele se mostrar parcial em relação a um ou outro país ou tropa adversária, poderá virar um alvo em potencial, ou seja, poderá ser morto”, alertou o especialista.
ILEGALIDADE
Ele explicou que até o final do século XX os conflitos armados eram “legítimos”, ou seja, um país poderia declarar guerra a outro por algum desentendimento ou disputa territorial. “Mas hoje isso é ilegal, cabe à política de relações internacionais dessas nações buscar o entendimento, caso contrário haverá ainda uma mediação da ONU (Organização das Nações Unidas), seja por meio do seu Conselho de Segurança, seja pela Assembleia Geral”, diz o procurador.
André Estima também destacou a importância e o valor estratégico do Amapá estar na fronteira com a Guiana Francesa, que além de representar um país afiliado da União Européia, é também integrante de um bloco militar denominado OTAN, a Organização do Tratado do Atlântico Norte, por vezes chamada Aliança Atlântica, aliança militar intergovernamental baseada no Tratado do Atlântico Norte, que foi assinado em 4 de abril de 1949.
André Estima, em uma verdadeira aula de história, contou como os primeiros tratados foram celebrados para frear os conflitos armados, especialmente após a I Guerra Mundial, uma das mais sangrentas da humanidade. “O pacto de Versalles, em Paris, em 1919, foi considerado um grande avanço para o mundo, mas pouco depois, devido a um sentimento de vingança, a Alemanha invadiu a Polônia, dando-se início à II Guerra Mundial, que foi ainda mais sangrenta que a primeira”, conta ele, acrescentando que “guerra total não retrocede apenas a direitos humanos, mas renuncia a milênios de negociações entre as nações”.
A cada cenário de destruição de cidades, países e nações, o mundo experimenta cada vez mais o dissabor da ambição e da falta de entendimento. André Estima sublinhou em sua palestra alguns gênios da história da humanidade que defenderam a paz e condenaram a tecnologia a serviço da destruição. Como Albert Einstein, que disse: “Não sei com que armas a terceira guerra mundial será feita, mas tenho certeza de que a quarta guerra mundial será com paus e pedras”.
DEPRESSÃO
Outro grande nome da história, o brasileiro Alberto Santos Dumond, também foi citado por Estima. Quando o mundo se viu diante da primeira Guerra Mundial, Santos Dumont considerou que era sua responsabilidade pessoal, a destruição causada por zepelins e aviões. Seu sonho utilizado como arma militar, levou-o à depressão. Em 1928 quando retornou ao Brasil, ficou muito abalado, na sua chegada por navio, quando o hidroavião ”Santos Dumont”, caiu matando todos os ocupantes. Em 1932, ocorreu a Revolta Constitucionalista, em São Paulo, contra Getúlio Vargas. Aviões da União e de Minas Gerais bombardearam São Paulo. Santos Dumont em profunda crise, enforcou-se no banheiro, com uma gravata. Estava no Guarujá- SP. Seu corpo foi transportado para o Rio de Janeiro e sepultado, com homenagens de toda a Nação Brasileira.
Foto histórica da 1ª turma de correspondentes de guerra formados no Amapá. |
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Contribua conosco!