segunda-feira, 25 de julho de 2016

ENTREVISTA | “Encontrei uma nova classe média na beira dos rios no interior do Amapá”

Carlos de Colon. Especialista em mercado internacional faz avaliação sobre os negócios com açaí nos rios do Amapá.
Um conceituado especialista no mercado financeiro internacional, o paulistano Carlos de Colon, esteve visitando recentemente o Amapá, a convite de uma fábrica de palmitos de açaí instalada em Santana. Mais do que conhecer o processo industrial, ele percorreu rios e igarapés da região para entender melhor uma verdadeira revolução que ocorre em meio às comunidades ribeirinhas a partir da industrialização dos produtos dos açaizais que grassam por aqui, como o fruto e o palmito do açaí, que está ganhando as mais exigentes clientelas de restaurantes nacionais e europeus. Depois de obter todas as informações que precisava, mas antes de retornar a São Paulo, onde reside, Carlos de Colon conversou com o jornalista Cleber Barbosa, com exclusividade para o Diário do Amapá.

Cleber Barbosa
Para o Diário do Amapá

Diário - Como surgiu a oportunidade do senhor visitar o Estado?
Carlos
- Sou muito amigo do doutor Cláudio Guimarães, que é proprietário da fábrica de palmito King Of Palms [em Santana] e conheço-o há muitos anos, já viajamos juntos a muitas outras partes do mundo e recentemente estive com ele em Belém, quando me fez o convite para vir aqui ao Amapá para conhecer alguns aspectos da cultura local.

Diário - Como o que exatamente?
Carlos
- A primeira foi visitar algumas comunidades ribeirinhas e devo dizer que fiquei impressionado, de certa maneira meus conceitos de antes foram todos mudados, se provaram errados. Eu pensei que iria chegar em uma comunidade mais carente, mais simples, pois tínhamos a impressão de quem mora na beira dos rios eram comunidades empobrecidas, em dificuldades, mas eu encontrei diria um grupo de pessoas que se pode até se considerar como uma nova classe média, empreendedores que conseguiram fazer de seu ambiente um negócio.

Diário - Daí chama-los de empreendedores?
Carlos
- Exatamente, mas me refiro basicamente ao açaí, tanto o fruto como a extração do palmito, de uma maneira que diria até fantástica, onde eles não só fazem de um jeito que se conserva, que se preserva a mata, enfim, tem toda essa parte ecológica e da sustentabilidade, mas ao mesmo tempo consegue gerar uma renda muito boa.

Diário - Daí o senhor ter dito que foi preciso rever conceitos?
Carlos
- Sim, eu visitei casas na beira do rio, no meio do mato de uma qualidade que não pensei que iria encontrar, bem pintadas, bem mobiliadas, com televisão moderna, todo mundo com barco com motor, pessoas onde os pais e os avós são realmente muito humildes e alguns casos analfabetos, mas onde os filhos e os netos estão cursando escola, indo para a faculdade, se formando em áreas diversas, engenharia, letras, o que seja, onde as pessoas, os pais de família estão tocando negócios do açaí com um nível de entendimento das coisas bem sofisticado.

Diário - Os chamados empreendedores mesmo, no meio da floresta, não é?
Carlos
- Isso, alguns já tem a mentalidade de empresários mesmo, de microempresários. A única coisa que falta é ter acesso a mais ferramentas, mais acesso a capital para que desenvolvam negócios maiores. Eu realmente fiquei muito impressionado com isso.

Diário - Então pelo que o senhor diz, essas pessoas que anteriormente tinham tudo para sair de lá decidem ficar, pois possuem uma qualidade de vida bem razoável e motivos para permanecer lá?
Carlos
- Sim, isso ficou muito claro. Eu acho que vindo de São Paulo e conhecendo várias outras cidades grandes particularmente aqui no Brasil onde você vê comunidades que migraram de outras regiões, as pessoas diria simples como mencionei a primeira geração aqui, que foram para as grandes cidades e não conseguiram se adaptar e vivem em condições de vida muito difíceis e em alguns casos miseráveis, aqui por causa do açaí, que dá uma boa situação financeira, a pessoa tema a oportunidade de continuar a morar no lugar que ela quer morar, o lugar de onde ela é, em condições excelentes, boas mesmo, o que faz com que eles não precisem, não sejam forçados a migrar.

Diário - O senhor ouviu relatos desta natureza, corroborando desse raciocínio?
Carlos
- Sim, eles dizem "não precisamos todos mudar para a cidade porque nosso filho precisa ir para a escola", não, manda o filho para a escola, se necessário para um colégio interno e continuam lá com uma qualidade de vida boa, que lhe provê e que lhe permite fazer coisas em comum. Nós fomos a casa de um ribeirinho onde os filhos vão para um colégio interno [Escola Família] e ficam fora duas semanas, na escola, voltam para casa por alguns dias e depois voltam para a escola. Isso é possível porque existe condição econômica para isso. Isso foi um sinal muito positivo porque com certeza existem outras áreas no Brasil onde a priori seriam situações que existe dificuldades, mas que se você pudesse dar condições para a pessoa se desenvolver em sua própria região, criar seu negócio, você não teria muitos dos problemas sociais que enfrentamos hoje nas cidades grandes.

Diário - São os fundamentos da sustentabilidade e que norteiam, pelo que a gente tem notícia, o processo industrial da fábrica de palmito do seu amigo Cláudio Guimarães?
Carlos
- Sim, sim, eu acho que a King of Palms tem feito um trabalho muito consciente nesses anos todos, pois a empresa foi fundada em 1954 e está aqui no Amapá desde a década de 1970, em trabalhar junto com as comunidades ribeirinhas para que elas tenham os mecanismos de viver bem. O doutor Cláudio trabalhou muito para que eles entendam os conceitos modernos de administração, de responsabilidade na produção, entendam de como medir as coisas e como fazer tudo isso de maneira sustentável para melhorar a produtividade e consequentemente sua renda.

Diário - Isso tudo já é uma realidade, o senhor chegou a fazer essa constatação?
Carlos
- Visitando essas comunidades você vê como eles pensam, eles são muito conscientes de que se manejar bem o açaizal a produção vai melhorar, com isso o açaizeiro vai ser mais saudável e porque a produção é melhor eles vão receber mais dinheiro, enfim, fica aquele círculo virtuoso mesmo.

Diário - E desmistificando talvez essa questão que tanto já se falou no passado, de que a indústria do palmito poderia ameaçar os açaizais, dizimando a floresta nativa?
Carlos
- Pois é, muito pelo contrário. Bem, existiu lá no passado no Sul do Brasil um certo tipo de palmito que foi colhido e que existiu a devastação porque foi feito diria sem nenhuma racionalidade, mas do jeito que ele é feito aqui não. Como o açaizeiro tem várias estirpes, quando você o poda você está simplesmente melhorando a qualidade da planta, pelo contrário, a atividade do caboclo é positiva para a floresta. Isso é uma coisa que para dar crédito ao crédito, não foi uma coisa que o doutor Cláudio ensinou, mas sim uma coisa que os índios já sabiam e o caboclo já sabia.

Diário - E que está perpetuando.
Carlos
- E que está perpetuando mesmo. Estamos utilizando digamos a inteligência nativa para fazer a coisa certa só que de uma maneira mais sistemática e organizada dando oportunidade para o caboclo vender seu produto achando os mercados fora daqui do Amapá, tanto no Brasil como no exterior para que possa gerar riqueza nisso.

Perfil

Entrevistado. Carlos Camargo de Cólon nasceu em São Paulo, tem 43 anos de idade e é casado com uma inglesa. Possui formação acadêmica como Bacharel em História, pela renomada Universidade Columbia, de Nova Iorque, mas acabou especializando-se em mercado financeiro, tendo atuado por muitos anos no poderoso Morgan Stanley Banks, o que lhe levou a trabalhar em Londres, Nova Iorque e São Paulo. Hoje atua como consultor financeiro e também decidiu investir na abertura de uma editora de livros na capital paulista, a Editora Corvara. Durante a semana visitou Macapá, Santana, Mazagão e redondezas de Afuá (PA) a convite da direção da fábrica King of Palms, localizada no Igarapé da Fortaleza, em Santana.


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