sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

Artigo: Um degrau acima


Dom Pedro José Conti
Bispo de Macapá


Um menino brincava de padre junto com um colega. Estavam na escadaria da sua casa. Tudo corria bem: entre bênçãos demoradas, sermões inflamados e absolvições de pecados horripilantes. De repente, o amigo cansou de ser coroinha do outro que sempre queria ser o padre. Subiu, então, um degrau a mais na escadaria e também começou a pregar com entusiasmo. Imediatamente o outro chamou a atenção dele e disse que ele não podia fazer aquilo, porque só ele estava autorizado a aplicar sermões. A dona da casa, mãe do garoto que pretendia ser o único pregador, ouvindo a gritaria, com calma e palavras mansas o convenceu que, por dever de hospitalidade, devia deixar o colega também ser pregador. O filho dela, no começo, ficou de cara feia, mas depois subiu um degrau mais alto do que o do amigo e, com solenidade, declarou: “Tudo bem, ele pode pregar, mas eu serei Deus!”.
Brincadeira de criança. Ela nos revela, no entanto, um desejo que todos nós temos e que tentamos esconder nem sempre com sucesso: ser alguma autoridade e poder mandar. Parece mesmo que este impulso faça parte da nossa natureza. A prova disso, vista do outro lado, é a dificuldade que temos em obedecer quando somos mandados. Quando a autoridade não sabe dialogar e convencer, ou abusa da sua posição com desmandos, em geral, gera revolta, mentiras, e até ódio verdadeiro. O livro do Gênesis também nos apresenta o primeiro pecado da humanidade como uma desobediência a ninguém menos que ao próprio Deus. Se tivermos consciência da nossa responsabilidade – como pais, por exemplo - nunca será fácil mandar e, menos ainda, será fácil obedecer. Mandar e obedecer parecem duas coisas incompatíveis.
O evangelho deste domingo nos apresenta Jesus como alguém que ensinava e agia com autoridade. O povo ficava admirado com a novidade do ensinamento dele e se perguntava o que estava acontecendo, visto que até os demônios lhe obedeciam. A comparação com a autoridade daquele tempo – os mestres da lei – também era inevitável. As pessoas se perguntavam: “O que é isto?”. Claro que poderíamos responder imediatamente a esses questionamentos dizendo que, afinal, Jesus era Deus e por isso podia mandar e desmandar em tudo. Essa maneira de pensar, no entanto, não nos ajuda a acreditar e confiar nele. No máximo, leva-nos a invejá-lo – como aconteceu aos escribas e fariseus – ou a querer manipulá-lo para que nós possamos decidir o que ele deve ou não deve fazer. Mais uma vez, é a tentação do poder que nos move.
A autoridade de Jesus vem da sua obediência. Obediência ao projeto de amor e de salvação do Pai. Jesus, neste mundo, tinha a missão de nos fazer conhecer este amor e o “alimento” dele era, justamente, fazer a vontade do Pai (cfr. Jo 4,34). Jesus nunca usou do seu “poder” para si mesmo, ou para promover a sua causa. Nem para “descer da cruz”! Sempre buscou o bem, a saúde, a paz dos outros. Nunca pediu nada em troca, a não ser a fé e a perseverança no novo caminho quando dizia aos pecadores perdoados de ir em paz e de não pecar mais.
Jesus, obedecendo ao Pai “até a morte e a morte de cruz”, revela-nos quem é Deus e o que o Todo-poderoso faz com todo o seu poder: o bem e somente o bem. Deus pode tudo, é verdade, mas não pode fazer o mal! Se Ele é amor, pode somente amar.
Com isso, Jesus nos revela também o sentido e o jeito de exercer a verdadeira autoridade. A história da humanidade nos ensina que todo o poder que se alicerça sobre o medo, a violência, a troca de favores e as mentiras, está destinado ao fracasso e terá como resultado mais violência, mais destruição, mais inimizade e sofrimentos para todos. A única força que pode derrotar o mal e a morte, com todo o ódio e as tristezas que os acompanham, é o amor, a vida doada para o bem dos outros, para o bem de todos. É uma nova autoridade, uma nova lei, um novo mandamento, ao qual deveria ser agradável obedecer: amar-nos uns aos outros como o próprio Jesus nos amou. A uma ordem qualquer podemos obedecer forçados, ou por conveniência, não precisa concordar, mas ao mandamento do amor deveríamos obedecer agradecidos. Obedecer para valer, com a mesma coragem, força e autoridade de Jesus. O mal seria vencido. Os demônios que nos cercam seriam derrotados.
Sei que tudo isso está muito longe da nossa maneira de pensar e de agir. Ainda insistimos em acreditar que poder e autoridade nos venham do dinheiro que temos, da posição social que ocupamos, dos títulos humanos dos quais nos orgulham tanto. Nós, para mandarmos, achamos necessário subir nos degraus da vida, ou nas costas dos outros. Deus, para nos ensinar a verdadeira autoridade, desceu até nós. Vejam só!

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