A rixa entre dois médicos e o farto contracheque de um deles formaram o estopim para estourar, ontem (13), a primeira denúncia oficial de irregularidades nos plantões do Hospital de Emergências (HE) de Macapá. O caso foi registrado na 6ª Delegacia de Polícia Civil, no bairro do Trem. Segundo o denunciante, o clínico geral Carlos Augusto Oliveira, a coordenadora clínica da unidade, Marilena do Socorro de Araújo Valle, recebe, há um ano, o valor de dois plantões por cada um trabalhado. Os generosos vencimentos da médica chegaram a somar, em um único mês, um salário superior ao do governador do Estado. Em novembro, enquanto ela abocanhou R$ 37.667,56, o chefe do Executivo recebeu R$ 24.117,62.
A situação no HE virou caso de polícia depois que Oliveira começou a se sentir perseguido pela colega de profissão. Ele não quis ser fotografado, mas falou com exclusividade a Gazeta sobre o caso. Oliveira revelou que já havia denunciado, em junho do ano passado, as supostas irregularidades à direção do HE. Na ocasião, a chefia da unidade se prontificou a averiguar, mas nada fez, e a médica continuou a engordar seus contracheques.
Oliveira diz ainda ter documentos que comprovam que a “Dra Marilena” – como é conhecida no hospital – recebeu dobrado por cada plantão por todo o ano de 2011. As desconfianças dele começaram quando o padrão de vida da colega começou a decolar. “Quando ela (Marilena) chegou aqui (no HE) o seu poder aquisitivo era igual a sua posição econômica. Mas, de uma hora para outra, tudo mudou. Passou de carro popular para importado, e de porte elevado. Foi aí que busquei informações que explicassem tal mudança,” disse Oliveira.
Ele então passou a acessar o Portal da Transparência do governo do Estado e comparou os dados expostos no site com as planilhas de plantões do HE. Foi quando constatou que os salários altíssimos da coordenadora clínica não condiziam com os serviços tirados. “Em janeiro de 2011, ela recebeu R$ 27.392,82. A partir de então fui observando os meses seguintes e os valores foram aumentando”. Marilena do Socorro tirava por mês 15 plantões, mas recebia por dois ao mesmo tempo. “Agora de que forma ela fazia isso? Ela tirava dois plantões em um único dia. Para fazer isso, no dia em que ela iria tirar um plantão, trocava com outro médico para coincidir com outro plantão dela. O certo seria cumprir os plantões um seguido do outro, ou seja, dia após dia, o que no total somaria 30 dias. Mas a médica lesava a Secretaria do Estado de Saúde fazendo em 15 dias, dois plantões, quando, na realidade sabemos que a mesma só teria tempo para cumprir um serviço. Porém, ficava registrado que cumpria dois,” explicou o denunciante.
Denúncia partiu de rixa entre médicos
Algumas vezes, Oliveira se atrasou para o serviço no HE. Segundo ele, o motivo era a doença de sua esposa, que sofre de insuficiência renal crônica. Mesmo sendo justificados os atrasos, foi advertido de forma “incompreensiva” por Marilena – o que ele entende como uma forma de perseguição. “Minha esposa tem crises fortes e não dá para prever quando vai acontecer. Marilena não entendeu a minha situação e começou a reduzir os meus plantões e criar atritos indevidos no local de trabalho”, conta o médico.
Cartaz sobre irregularidades e retaliação da direção
Para chamar a atenção das autoridades, o médico criou um cartaz – o que acabou lhe rendendo retaliação da direção da HE. “Espalhei o cartaz em todas as unidades de saúde, para que todos tomassem conhecimento daquela situação. Em meados de dezembro fui acuado pela direção do Hospital. A diretora (Edna Oliveira), inadvertidamente me chamou e disse que eu estava sendo devolvido para a Sesa. Agora estou na ‘geladeira’ sem poder exercer a profissão”, revela ele.
Após ter publicado os cartazes, denunciando o que ele chama de “Máfia no HE”, segundo Oliveira, a médica Dra. Marilena do Socorro, alegando estar sendo vítima de calúnia e difamação, registrou várias ocorrências policiais contra ele.
Advogada recomenda silêncio da acusada
Procurada pela reportagem, Marilena do Socorro disse que está chocada com a situação e que não esperava a atitude do colega. Segundo ela, Oliveira vinha gerando problemas internos no HE. Por telefone, a médica falou que “o principal problema enfrentado com o colega era questão de atraso e o descontentamento dos pacientes com o atendimento feito por ele”. Mesmo tendo feito essa declaração, a médica não apresentou documentação que desse embasamento às suas afirmativas.
A “Dra. Marilena” pediu para conversar sobre a situação pessoalmente com a reportagem. Ela disse que tinha a discriminação do valor recebido em seu contracheque e que apresentaria para provar a origem da soma dos valores. O encontro foi marcado na Secretaria de Saúde do Estado. Quando a reportagem chegou ao local, Marilena estava visivelmente nervosa. Ela falava ao telefone com sua advogada.
Após uma breve reunião da médica com a advogada e a direção do HE, a Assessoria de Comunicação da Sesa disse à reportagem que a “Dra. Marilena” não daria mais entrevista – o que teria sido uma orientação jurídica. Ela também não apresentou os documentos que prometera.
A advogada da médica também não quis falar com a equipe de a Gazeta. Apenas Assessoria de Comunicação justificou que o valor do contracheque de novembro era referente à soma de 13º salário, férias, gratificação e plantões que teriam sido “cumpridos normalmente”.
As publicações do Portal Transparência mostram que o menor vencimento de salário da médica em 2011 foi de R$ 24.912,62.
Providências
O delegado Paulo César Cavalcante, que recebeu a denúncia na 6ª DP, instaurou um inquérito policial. Ele disse que vai encaminhar uma cópia do procedimento ao Ministério Público e ao Núcleo de Combate ao Crime Organizado – criado recentemente pelo governo do Estado. Já a Sesa afirmou que a auditoria do Conselho de Ética Hospitalar já está apurando a denúncia, bem como, o Conselho Regional de Medicina.
E rede estadual pediu socorro à municipal por falta de dinheiro
O ano em que a médica Marilene do Socorro faturou salários altíssimos foi o mesmo marcado pelo caos na rede estadual de Saúde – e o pior termômetro disso foi o HE, com falta de leitos, medicamentos, equipamentos e pessoal. Na semana passada surgiu a revelação de que a direção da unidade pediu, por diversas vezes, medicamentos e outros suprimentos à prefeitura de Macapá.
Desde o ano passado que a rede municipal está suprindo boa parte dos medicamentos e insumos utilizados pelo HE e Maternidade Mãe Luzia, ambos administrados pelo governo estadual. Os pedidos de urgência incluíram desde produtos básicos – como álcool etílico, agulhas descartáveis, diclofenaco sódico e dipirona – até remédios controlados como o Tramadol (usado em pacientes com traumatologia grave).
O documento mais recente é de 4 de janeiro de 2012. No memorando interno 01/12, a diretora do HE, Edna Oliveira, solicita milhares de unidades de 217 medicamentos e materiais correlatos. A lista inclui desde produtos básicos como agulhas e seringas descartáveis, ataduras e algodão; filmes radiológicos e antibióticos; e até remédios controlados como o Tromodol (usado em pacientes com traumatologia grave).
Um pedido escrito à mão pela chefe de Farmácia Hospitalar do HE, Andréa Karla dos Santos Lacerda, evidencia o nível de carência a que chegou o Hospital de Emergência, no ano passado. Datado em 13 de abril de 2011, o bilhete encaminhado à Secretaria Municipal de Saúde de Macapá solicita “em caráter de empréstimo” 150 litros de álcool. Entretanto, conforme aponta a denuncia do médico que está na geladeira da Sesa, a falta de dinheiro da rede estadual em 2011 era somente para atender à população, os contracheques recheados da coordenadora clínica do HE, através do Portal da Transparência, provam isso.
Jornal A Gazeta.
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