segunda-feira, 22 de agosto de 2011

"Barcellos era uma legenda do Estado do Amapá"


JOSÉ SARNEY - O decano do Congresso Nacional reverencia obra deixada por Barcellos








O ex-presidente da República José Sarney (PMDB-AP), atual senador pelo Amapá, fala sobre o acontecimento da semana em Macapá, que foi o falecimento do ex-governador Annibal Barcellos, de quem se considerava amigo e admirador. Para Sarney a consternação popular vista nos funerais do Comandante Barcellos foi prova de que ele cumpriu seu papel com os inúmeros cargos públicos que ocupou, mas também ganhou o reconhecimento pelo fato de não ter ido embora do Estado. Sarney também fala sobre os temas atuais do Congresso Nacional, como sua atuação e empenho para garantir um novo rito para as Medidas Provisórias na Câmara e no Senado. Também se diz confiante de que a ameaça de crise mundial que se desenha vai encontrar a economia brasileira mais consolidada, com chances de não ter maiores abalos. Acompanhe a entrevista exclusiva concedida ao Diário do Amapá.


"Tivemos algumas divergências políticas, mas elas nunca foram de profundidade e nunca deixamos de sermos bons amigos, eu assim o considerava. Muitas vezes que estive no Amapá durante a sua doença eu o visitei"
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Diário do Amapá - A semana que termina foi marcada pela comoção em Macapá pelo falecimento do ex-governador Annibal Barcellos, a quem o senhor também prestou homenagens. Para o senhor que é tão sensível nessas questões de relacionamento entre homem público e a sociedade, fica o que desse episódio?
José Sarney
- Olha, eu não só me manifestei, me associando ao pesar do povo amapaense como eu pessoalmente senti muito a morte do Barcellos, porque ele era uma legenda hoje no Estado do Amapá, pelos anos que viveu, a sua dedicação ao Amapá, onde ele escolheu para ficar e até para terminar a sua vida, com grande humildade, depois de ele ter sido tudo, interventor, governador, deputado federal e prefeito ele aceitou ser vereador de Macapá. Ele fez uma coisa que era uma tradição no tempo do Império.

Diário - Que tradição era essa, senador?
Sarney
- Consistia em que os grandes estadistas do Império eles escolhiam para terminar a sua vida pública as suas cidades-natais, onde naquele tempo se chamava camaristas, então eles escolhiam essa função para terminar a sua vida pública. O Barcellos fez isso, lembro-me sempre desse fato histórico.

Diário - E sobre a obra de Barcellos, senador, dizer o que sobre ela?
Sarney
- Ele realizou muito pelo Amapá, preparou o Território, como interventor, para ser Estado e lutou para essa transformação. Eu mesmo tive algumas vezes no Amapá quando ele era o interventor, inclusive em companhia do Andreaza [Mário Andreazza, ex-ministro do Interior], assim como na companhia do Presidente Figueiredo, sempre para inauguração de grandes obras que ele [Barcellos] fazia, como o Tribunal de Justiça. Eu me lembro que fui na inauguração do hotel que ele construiu, o hoje Macapá Hotel, na orla. Também quando ele era deputado federal e eu pre-sidente de partido nós sempre estávamos juntos.

Diário - Mas chegaram a ser adversários?
Sarney
- Tivemos algumas divergências políticas, mas elas nunca foram de profundidade e nunca deixamos de sermos bons amigos, eu assim o considerava. Muitas vezes que estive no Amapá durante a sua doença eu o visitei e ele sempre estava com aquele mesmo espírito, pensando nas mesmas coisas e como homem público sempre muito lúcido. Então foi muito justa a homenagem que o povo do Amapá prestou ao Barcellos, ao mesmo tempo que fez justiça foi recompensadora para a sua vida pública. Evidentemente que ele não asistiu, mas como Cristãos, acreditamos que a sua alma estava presente na alma do povo amapaense.

Diário - O decano do Tribunal de Justiça do Amapá, o desembargador Dôglas Evangelista Ramos certa vez definiu Barcellos e Sarney, duas expressões da política amapaense, dizendo que Barcellos tinha memória de elefante e Sarney era hour-concour. O que o senhor acha disso?
Sarney
- Eu acho que cada um define as coisas da maneira como se olha... (risos) Há um conto indiano no qual diz que uma pessoa que era cega deparou-se com um elefante e pegando na tromba pensou que fosse uma cobra, pegou nas ancas e pensou que fosse um boi, todos estavam certos, afinal era aquilo que ele via. Então ele [Dôglas] que conheceu a memória do Comandante Barcellos julgava que tinha uma excelente memória. Mas melhor que a memória dele foi a memória que ele deixou no Amapá.

Diário - Por falar no Amapá, na última vez que o senhor esteve no Estado um grupo de 14 deputados estaduais lançou o que a imprensa chamou de "Fica Sarney", num apelo para que o senhor vá à nova reeleição. O senhor disse que não quer disputar nova eleição, mas não se afastará da política, como será isso?
Sarney
- É porque não só com mandatos se faz política, então eu com a bagagem que tenho de vida pública não deixarei nunca de ser político, mesmo não disputando mais mandatos eletivos. O Virgílio Távora gostava de dizer que tinham duas maneiras de deixar a política: quando o povo deixava a gente ou quando a gente deixava o povo, mas eu hoje acho que tem uma terceira, que é a idade... (risos) Pois nem só o povo, nem só a gente, mas a idade também nos leva a que a gente possa afastar-se dessa disputa eleitoral e da própria eleição.

Diário - Foram muitas eleições, não é mesmo senador?
Sarney
- Foram dez eleições ganhas, tendo tido tudo nesse país, nunca tive um cargo que não fosse por delegação do povo do Brasil e tenho tido oportunidades, e agradeço sempre a Deus, de trabalhar pelo meu país e deixar uma bagagem que eu acho tão importante da minha contribuição à vida pública brasileira.

Diário - O que o senhor mais destacaria nessa história toda de vida pública?
Sarney
- A democracia, sem dúvida, pois vivemos esse sistema que foi consolidado no período da transição por mim presidindo o Brasil, convocando a Constituinte e ao mesmo tempo assegurando o funcionamento da Constituição e, como democrata, respeitando a própria decisão dos constituintes e outras grandes iniciativas que tive, inclusive inclui o social nas preocupações nossas do Brasil, pois só se falava na parte econômica, mas no meu governo começou isso tudo, com o "tudo pelo social".

Diário - Então o senhor foi precursor das políticas públicas com foco no social, como depois veio o Fome Zero e atualmente tem as bolsas, não é mesmo?
Sarney
- Exatamente, a partir dali ninguém mais deixou de se interessar pela área social, recordo que ali começou tudo, como o Programa do Leite para as crianças e a distribuição de cestas básicas, a correção do salário mínimo acima da inflação, o seguro-desemprego, que foi feito por mim, enfim, tudo que nós pudemos realizar nessa área, como as farmácias básicas que hoje são chamadas Farmácia do Povo, enfim, começamos a trabalhar pelo social fazendo a inclusão pois naquele tempo o Plano Cruzado fez a maior distribuição de renda da história do Brasil, foram milhões de brasileiros que passaram a participar da economia do país.

Diário - O senhor é um aliado de primeira hora do Go-verno Federal, mas empenhou-se pessoalmente em preparar uma PEC [Projeto de Emenda Constitucional] que acabou sendo aprovada por consenso no Senado para regular a tramitação das Medidas Provisórias, as MP's. Foi uma medida acima de tudo de valorização do Congresso Nacional?
Sarney
- Olha, eu acho que esse novo rito das Medidas Provisórias é uma valorização do Congresso e do Senado Federal, onde as Medidas chegam hoje com o prazo quase vencido para nós examinarmos em dois ou três dias. A partir de agora, com essa nova Emenda Constitucional, as Medidas Provisórias terão oitenta dias na Câmara e quarenta dias dentro do Senado, o que naturalmente dá um prazo para que o Senado possa melhorar e contribuir para que sejam melhor elaboradas.

Diário - Para fechar, presidente, o senhor sempre se declara um otimista, mas os especialistas estão vendo seme-lhanças entre a atual crise econômica internacional com a de 2008. O senhor acha que o Brasil tem motivos para se preocupar com essa ameaça?
Sarney
- Eu acho que o Brasil está bem preparado para enfrentar a crise, evidentemente nós não somos invulneráveis, nós teremos alguma conseqüência, mas eu acho que a Presidente Dilma está gerindo muito bem a coisa pública de modo que se a crise chegar nos encontre preparados para que não tenhamos grandes danos para o povo brasileiro e para o Brasil.

Diário - Obrigado pela entrevista, presidente?
Sarney
- A todos os leitores e ao mesmo tempo a todas as famílias do Estado do Amapá o meu abraço e meu desejo de felicidades, de paz de saúde e de tranqüilidade.

Perfil

O maranhense José Ribamar Sarney Costa tem 80 anos de idade, á advogado, jornalista e escritor. Começou a vida política ainda estudante do Colégio Liceu, em São Luís (MA), tendo depois chegado a suplente de deputado federal. Assumiu várias vezes a titularidade até vencer uma eleição para a Câmara Federal e depois elegeu-se governador do Maranhão e depois senador. Nos anos 1980 engajou-se na campanha pelas eleições diretas e pouco depois compôs como vice a chapa vitoriosa do Presidente Tancredo Neves, que faleceu antes da posse. Sarney assumiu as rédeas do País com o ministério definido pelo amigo e aliado. Conduziu o período da redemocratização, da Constituinte e da volta das eleições diretas para Presidente. Depois foi acolhido no Amapá sendo eleito senador, onde está no terceiro mandato consecutivo. Atualmente exerce pela terceira vez o posto de Presidente do Senado Federal.

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