segunda-feira, 1 de agosto de 2011

"O ideal é que as pessoas não adoeçam"

ANA PIRES - A medicina natural zela pela prevenção e não remediação da saúde











Mais uma amapaense que buscou qualificação fora dos domínios do Estado, mas que não foge às suas origens. Pelo contrário, assume características de “mulher amazônida”. Mais que isso,do interior da floresta, de uma aldeia kumarumã, onde seus avós têm origem. Trata-se da especialista em medicina natural Ana Pires, que desde a adolescência experimentou a vida naturalista, de alimentação vegetariana e do equilíbrio. Ela passa dias em Macapá depois de oito anos trabalhando em Curitiba (PR) e vi-sitando outros estados e, também, alguns países europeus, onde se disse entristecida ao constatar a enorme facilidade com que ervas da Amazônia são comercializadas livremente, enquanto que em sua Macapá, o Museu Sacaca, que deveria congregar o melhor da fitoterapia, dá sinais de abandono. O Diário do Amapá conversou com Ana Pires e o resultado está descrito a seguir.

Diário do Amapá - Como foi para a senhora voltar ao Amapá depois de tanto tempo lá fora estudando para ser hoje uma especialista em medicina natural?
Ana Pires
- Nós vamos passar um período de trinta dias no estado, quando vamos tentar implantar aqui alguns projetos que já acontecem no Brasil, inclusive projetos que nós já estivemos na Itália defendendo e que estão sendo absorvidos pela Europa.

Diário - Não bate uma saudade de sua terra-natal?
Ana
- Meu coração está aqui no Amapá, na Amazônia. Então eu tenho que vir aqui, sei da necessidade do nosso povo. A nossa proposta para o estado leva em consideração que se os melhores hospitais, os melhores médicos fossem um exemplo de saúde, então por que os Estados Unidos com tanta tecnologia, são campeões em AVC, de câncer do intestino, campeões de diabetes e de obesidade mórbida nem se fala, já virou epidemia a obesidade infantil?

Diário - Então qual é o segredo da saúde?
Ana
- É uma atitude. Para você ter qualidade de vida é preciso ter uma atitude de saúde, pois somos uma máquina viva e toda máquina precisa de combustível e o nosso combustível é tudo o que consu-mimos de minerais, de vitaminas, os nutrientes do organismo, estes são os combustíveis do corpo humano. A maioria das doenças vem da deficiência nutricional, da deficiência de vitaminas e outras coisas mais.

Diário - Qual a relação da medicina natural que a senhora pesquisa e defende, com aquela tradicional medicina chinesa?
Ana
- Existem dois tipos de medicina natural, a oriental e a ocidental. A do oriente é aquela que diz assim "toma esse chazinho de camomila que ele vai te energizar, vai te trazer bons fluídos", enfim, vai mais por esse lado energético que não é a nossa proposta. A nossa proposta com a medicina ocidental que diz "toma esse chá de camomila que ele tem um princípio ativo, que tem efeito calmante", enfim, explica cientificamente esse benefício.

Diário - Baseada em estudos e não em experiências, é isso?
Ana
- É uma medicina mais responsável, mais profissionalizante e que nós estamos tentando tra-zer para o estado, inclusive com uma proposta de curso de pós-graduação em medicina natural, para o qual estamos tentando fazer algumas parcerias. Mas também estamos tentando alguns cursos livres de naturopatia, porque enquanto não se profissionalizar os nossos agentes de saúde do estado, nós vamos ter um prejuízo sempre muito grande.

Diário - Estamos em desvantagem, então, em relação a muitos outros lugares?
Ana
- Sim, eu fiquei inclusive muito triste quando estive na Itália e vi as nossas ervas da Amazônia sendo vendidas livremente, sem nenhum encaminhamento médico, nada mesmo. Enquanto isso, aqui visitei o Museu Sacaca e fiquei arrasada ao saber que aquilo tudo praticamente acabou. Achei que foi um passo atrás na evolução da medicina natural no Estado.

Diário - A senhora diria que ainda existe preconceito com relação à medicina natural?
Ana
- Sim, infelizmente. Preconceito vem da falta de conhecimento e enquanto isso existir o prejuízo é gigante na área da medicina natural para o Amapá e para o Brasil. Para dar um exemplo, um dia na Clínica Oásis [em Curitiba] conferi dezesseis nacionalidades diferentes aproveitando aqui no Brasil o me-lhor da medicina natural, enquanto nós brasileiros ,infelizmente por falta de conhecimento, ficamos a ver navios, literalmente.

Diário - Seria correto afirmar que a medicina tradicional atua mais na remediação do que na prevenção à saúde? Essa é uma diferença importante em relação à medicina natural?
Ana
- É, a nossa proposta é a prevenção. O ideal é que as pessoas não adoeçam. Se você for ver, toda a natureza foi criada para se render ao ser humano, tudo que existe na natureza, nada é à toa. Cada fruta, cada planta, cura determinada doença, então o que nós precisamos fazer é usufruir da mãe natureza, da água que nós temos, que é uma água maravilhosa, temos que usufruir da Amazônia em si, dos tratamentos que ela pode proporcionar, além do nosso ar, uma coisa que não tem explicação, mas é dife-rente, não sei se as pessoas sabem disso, mas lá para o Sul pessoas como eu, que sou daqui, é muito mais difícil respirar.

Diário - É esse diferencial que a fizeram voltar ao Amapá para iniciar esse trabalho?
Ana
- Também, pois aqui nós temos toda uma gama de boas condições favoráveis para termos boa saúde aqui no estado e muitas vezes as pessoas pensam que ter saúde é ter um bom plano de saúde, que muitas vezes quando você precisa, ele não satisfaz suas necessidades.

Diário - Voltando a falar sobre a medicina natural oriental existem muitos médicos que estão se rendendo a ela e até se aperfeiçoando mesmo. Na medicina natural que a senhora defende, como é a relação com os médicos?
Ana
- Dentro da Clínica Oásis, onde atuei, a proposta é juntar a medicina alopata com a medicina natural, de uma forma responsável para cuidar da vida do ser humano, que é o nosso foco mais importante, mais especial. Enquanto tem gente querendo salvar as baleias, os macacos e outros animais, nós estamos preocupados com o ser humano que pode praticamente entrar em extinção se continuar se destruindo assim.

Diário - Esse é um problema mundial, a senhora diria?
Ana
- Hoje a humanidade toda está morrendo com o tanto de epidemias e outras doenças que estão aí, muitas delas poderiam ter sido prevenidas. Tem como você fazer a prevenção através de alimentos, pois se você tem um problema de gastrite, para se dar um exemplo, você procura o seu médico que vai lhe passar os remédios alopatas. Mas se você continuar comendo frituras, você continuar exagerando nos líquidos nas refeições, exagerando nos doces, o seu problema vai continuar.

Diário - Ana, você que guarda traços amazônidas no rosto, como o fato de ter nascido aqui. Isso contribuiu para a opção de formação profissional que buscou lá fora?
Ana
- Eu enfrentei a vida inteira o preconceito, minha mãe nasceu em Oiapoque, minha avó era descendente de índios. Na minha infância e na adolescência convivi muito com isso, vim com doze anos para a cidade, então estava muitas vezes na escola com sapato rosa, saia vermelha e blusa verde e para mim estava tudo bem... [risos] Mas para as meninas da minha idade não estava. Convivi ávida toda com isso, sendo chamada de índia como se isso fosse me diminuir, portanto não é fácil você sair de sua terra e conseguir a formação, o trabalho que alcançamos lá no Paraná, onde existe um preconceito muito grande. Ao mesmo tempo também existem braços abertos por nós sermos da Amazônia, é uma gangorra mesmo.

Diário - Pensou em desistir alguma vez?
Ana
- Não, podia ficar retraída um pouco, mas falei assim "sou índia sim, e daí?". Então quem qui-ser ser meu amigo vai ser do jeito que sou, uma índia, não tem jeito, acabamos deixando isso latente na nossa maneira de agir, com o carinho que temos pela natureza, coisa que não tem como explicar. Então quando vi a Itália, assim como a Suíça, a França, mas eu jamais teria coragem de trocar o meu país por um deles. Lá fora eu descobri que o nosso maior patrimônio, na verdade não é a Amazônia, são os brasileiros, os seres humanos daqui, o carinho que o nosso povo tem, principalmente aqui do Amapá.

Perfil

A amapaense Ana Lúcia de Oliveira Pires Cometti Dias, tem 40 anos de idade, nasceu em Macapá e tem três filhas. É casada com um brasileiro de origem italiana. É especialista em Medicina Natural e em Técnicas de Reabilitação em Dependência Química, pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Atuou por oito anos na Clínica Oásis, na cidade de Almirante Tamandaré (PR), onde tornou-se uma especialista e também rendendo-lhe convites para participar de eventos fora do país, como patestrante e painelista. Suas origens no Amapá já foram com a expeciência naturalista, tanto que na juventude viu-se vegetariana. Também atuou como uma premiada artista plástica, relações públicas e pesquisadora.

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