quarta-feira, 10 de maio de 2017

ECONOMIA | O drama do setor da MINERAÇÃO no estado do Amapá.

Numa entrevista bombástica, o engenheiro Glauco Cei, um dos mais conceituados empresários do setor, fala sobre os motivos para se desconfiar dos propósitos da mineradora Zamin no Amapá.

Cleber Barbosa
Para a Revista Diário

O anúncio de que a mineradora Zamin Ferrous pretende obter uma autorização de embarcar o minério estocado para garantir o pagamento de fornecedores está deixando muita gente com o pé atrás em relação a se confiar que ela cumpra o que promete. Gente como o empresário Glauco Cei, atual presidente do Sindicato das Empresas da Construção Civil, o Sinduscon. Ele concedeu uma entrevista esclarecedora à Diário FM, respondendo a questionamentos de Ivo Canutti e ouvintes, sobre um dos mais nebulosos capítulos da história da mineração por aqui, mergulhada em profunda crise desde então.

“A maior irresponsabilidade com o Amapá foi o sucateamento da ferrovia e a destruição do porto

Revista Diário – Nessa nova tentativa da mineradora Zamin Ferrous em retomar a sua recuperação judicial é grande a expectativa em torno das empresas que prestaram serviços para ela e também dos funcionários em receber o que ela deve, algo em torno de R$ 1 bilhão. Como o senhor vê tudo isso?
Glauco Cei – É verdade, realmente, em virtude de uma ação conjunta para a qual eu inclusive gostaria de agradecer ao emprenho do próprio Ministério Público Estadual, nas pessoas dos promotores Marcelo Moreira, Weber Pennafort e Adilson Garcia, que estão engajados nesse movimento de apoio aos prestadores de serviço dessa mineradora. Eu tenho um dado de que na época da operação da Anglo American havia uma circulação em torno de R$ 40 milhões até R$ 50 milhões por mês no estado, dependendo da movimentação é claro, então é muito dinheiro. É preciso que a gente busque o passado do setor minerário, dessa nova fase iniciada em 1998 com a implantação da MPBA. Depois veio a MMX, com projeto de ferro; depois veio a Unagem com outro projeto de ferro na área do Cupixi, então ao longo desses dezesseis, dezessete anos nós tínhamos o um setor minerário muito pujante e foi quando nós conseguimos quebrar a economia do contracheque aqui do estado porque circulava muito dinheiro aqui por conta desse trabalho e não dependíamos mais só do serviço público.
Diário – Foi a quebra de um paradigma mesmo, com a iniciativa privada empregando mais que o poder público.
Glauco – Sim, com isso o próprio comércio fez diversos investimentos, em shoppings, em novas lojas, enfim, e de repente em virtude de um problema que foi a queda do valor de minério, é preciso que a gente reconheça isso, mas também pelo acidente do porto e a consequente paralização da ferrovia, o que inviabilizou que o setor minerário continuasse funcionando. Isso, ao nosso ver, foi uma grande irresponsabilidade e o que é pior, deixou um passivo, quer trabalhista e também junto aos fornecedores. Então todos tiveram problemas, o comércio, a indústria e os próprios trabalhadores.
Diário – Aí veio todo um efeito cascata, não é mesmo?
Glauco – Sim, muita gente quebrou. Para se ter uma ideia, teve empresário que perdeu sua própria casa em virtude de ações trabalhistas, então veja, o que se quer é uma solução para tudo isso, mas até agora o que tem se apresentado nessa recuperação judicial, que corria só em São Paulo e agora graças a essa ação do Ministério Público e também graças a uma gestão dos senadores Randolfe Rodrigues e Davi Alcolumbre. Aliás, é preciso reconhecer que o senador Randolfe foi o primeiro a denunciar essa venda da Anglo para a Zamin, lá em 2014, quando ele foi inclusive bastante criticado, mas a gente vê que ele tinha razão. O próprio governador Waldez Góes ao assumir o governo nos chamou para uma reunião para que a gente explanasse o fato e colocou seu procurador, dr. Galeno, que está acompanhando o processo. Portanto, o que a gente quer é que o dano causado ao estado seja reparado, afinal o maior prejuízo foi para o estado do Amapá.
Diário – A ideia é desaforar a recuperação judicial que tramitava em São Paulo?
Glauco – Que ela tenha a anuência de nós que estamos aqui no estado do Amapá e que sofremos o maior prejuízo.
Diário – Mas a queda do porto também não inviabilizou que outras mineradoras deixassem de escoar sua produção? Esse prejuízo foi bem maior então?
Glauco – Muito maior, pois sem a ferrovia e sem o porto inviabilizou o setor. Quero deixar claro que eu não trabalhava com a Unagem, por exemplo, mas muitos dos meus companheiros, muitos trabalhadores atuavam lá, e ela tinha uma exportação de mais ou menos 1,5 milhão de tonelada a 2 milhões de toneladas por ano, o que era o que a Icomi no seu auge chegou a exportar aqui com o manganês. Então se a gente tem o porto e a ferrovia essa mineradora – que quero deixar claro indenizou e pagou todo mundo – estaria operando agora.
Diário – Então esse foi um diferencial em relação a outras?
Glauco – Sim, um diferencial, eles trabalharam de forma responsável com o estado onde estavam obtendo a riqueza, que foi o estado do Amapá. Agora isso não aconteceu no caso Anglo-Zamin. Eu não tenho como tirar a Anglo dessa situação, porque todos os contratos e pasme, na época, em 2009 a 2010, quando ela comprou o Sistema Amapá da MMX, foram feitos novos contratos com as empresas locais, sendo inclusive criado junto ao Senai e o Sebrae um plano de desenvolvimento de fornecedores, aonde as empresas se habilitavam a prestar esse serviço, de modo que o dinheiro do Amapá circulasse no estado do Amapá, com contratos de cinco anos e com a obrigação de comprar equipamentos. Então com isso muitos empresários foram a agentes credores – e não foi ganância não – e fez financiamento para comprar caminhões, máquinas, cozinhas industriais, enfim, fornecedores de mão de obra, e tudo mais. Mas isso tudo acabou quando a Zamin comprou a Anglo, pois ela não pagou mais ninguém, com essas empresas ficando a ver navios e o que é pior, com débitos trabalhistas e também com débitos de ativos, então isso foi uma irresponsabilidade.
Diário – Que outras empresas do setor foram afetadas com a queda do porto presidente?
Glauco – Ah, se o porto tivesse funcionando hoje é possível que a Unagem estivesse exportando; é possível que a mineração Vila Nova tivesse exportando também; e porque não dizer a Icomi ou a Ecometals tivessem tirando manganês. Eles inclusive estão tentando agora fazer via rodoviária, o que é inviável, vai destruir nossa estrada, pois o peso do minério dá em torno de 3 toneladas o metro cúbico, então não tem como você trazer de caminhão pois vai prejudicar mais ainda os nossos acessos. Daí a gente dizer que a maior irresponsabilidade com o estado do Amapá foi o sucateamento da ferrovia a não reconstrução do porto após o desmoronamento dele.
Diário – Quando se deu a venda da Anglo para a Zamin quem era o governador?
Glauco – Isso foi feito entre 2009 e 2010, quando o governador era o Camilo Capiberibe.
Diário – E não foi levado em consideração na hora dessa transação que a ferrovia e o porto eram concessões do estado?
Glauco – Eu tive na época duas reuniões com o então secretário da Indústria e Comércio, José Reinaldo, quando alertamos essa posição de que a Zamin não era uma empresa séria, por conta da Zamapá que ela já estava fazendo um trabalho lá na área próximo a Tartarugalzinho. Ele então alegou que a Anglo ia fechar, então eu disse ao secretário “olhe, que feche, mas recupere o porto e a ferrovia”. O que não pode é inviabilizar o estado, entendeu?
Diário – Então o senhor já tinha essa visão de que essas duas concessões tinham que ficar de fora da transação envolvendo as duas empresas?
Glauco – Sim, com certeza. É que o minério classe 2 tem um peso específico muito grande, como eu falei são 3 toneladas o metro cúbico, então ele pesa muito para você transportar via rodoviária. Por meio ferroviário é melhor, dá para você trabalhar com o trem em vagões de até 70 toneladas, então uma só locomotiva puxa isso e não vai causar impacto a ninguém. Nós alertamos bastante quanto a isso e não sei quais condicionantes foram apresentadas na época, mas, enfim, a negociação foi feita e está aí o problema para todo mundo hoje.
Diário – A negociação acabou incluindo as concessões do porto e da ferrovia?
Glauco – Ao que me parece houve uma proposta de recuperação da ferrovia e do porto que não foi cumprida pela Zamin. Ao nosso ver, à época, pela própria operação da Zamapá, uma empresa do mesmo grupo indiano do senhor Pramod, ela já vinha tendo dificuldades aqui de pagamentos de um projeto menor com os fornecedores no estado do Amapá, então nós não víamos assim uma viabilidade, nós que trabalhamos com a Anglo American e desde a implantação desses projetos como da MPBA e da MMX, temos uma certa noção com relação a essa movimentação. Também prestamos alguns serviços para a Zamapá e víamos que aquilo ali não tinha condições de dar certo. Talvez essas pessoas, de boa-fé, tenham acabado iludidas, não sei.
Diário – E sobre a recuperação judicial em si, esses ativos de minério estocado uma vez vendidos garantem o pagamento de todas as dívidas da mineradora?
Glauco – Olha, é quase que certo. Nós temos 4 milhões de toneladas ainda estocadas aqui em Santana e mais umas 2,5 milhões de toneladas de minério processado em Serra do Navio. Se nós fizermos uma conta de padeiro, como se diz, a gente vê que hoje o minério de ferro custa U$ 90 [dólares] a tonelada, tirando U$ 10 [dólares] para a logística de embarque e levar de navio até o porto de Beijing [China], por exemplo, a U$ 80 dólares a tonelada nós teríamos em torno de U$ 1,6 bilhão [de dólares].
Diário – E tem mercado para isso, de compradores interessados nesse minério?
Glauco – Tem sim, o mercado chinês por exemplo reagiu, o preço mundial de mercado subiu, qualquer pessoa pode ver no site que controla o setor, no endereço vale.com, então está nessa faixa de U$ 90 dólares a tonelada o preço médio do minério de ferro, então é perfeitamente viável. O que nós nos preocupamos não é só com a retirada do minério, mas com a viabilidade do setor minerário, sua manutenção.
Diário – O que a sociedade observa é que não vale a pena só vender o que já está em cima da terra, mas garantir a viabilidade do setor que é muito importante para o estado do Amapá pois pode ajudar muito na matriz econômica, não é isso?
Glauco – Com certeza. Além disso, com o porto e a ferrovia reconstruídos, temos outras possibilidades para o Amapá, como o próprio agronegócio. Se por ventura tivermos uma nova recessão econômica na China e caia o preço do minério, enfim, isso tudo para dizer que uma vez restabelecida a infraestrutura de porto e ferrovia já teremos um polo de exportação para o nosso grão. Existe um dado de que a previsão de exportação de grãos por Miritituba, no porto de Santarém, é algo em torno de 35 milhões de toneladas/ano e essa soja já está saindo por parte lá por Barcarena. Por que? Porque nós não temos o porto. O nosso porto da CDSA [Companhia Docas de Santana] não tem o que se chama de ‘retroporto’, que é a érea atrás do porto para você manipular as cargas. Então como é que vamos receber as balsas de Miritituba se nós não temos área para guardar? Então veja o quanto é importante para o desenvolvimento do estado a recuperação desse porto e a recuperação da ferrovia, não só para o setor minerário, mas toda uma atividade econômica, privada inclusive, que vai gerar muito emprego e recursos, gerando a circulação de dinheiro em nosso estado, pois estamos caminhando para sermos um estado com uma das maiores crises econômicas do Brasil porque não podemos ficar só na economia do contracheque público, isso vai nos penalizar bastante.

Perfil

O atual presidente do Sindicato da Indústria da Construção Civil no Amapá (Sinduscom) é o empresário Glauco Cei. Seu mandato à frente desta entidade iniciou no dia 30 de abril de 2014. É oficial da Reserva do Exército Brasileiro, onde atuou tenente de Infantaria. Ele também possui formação civil como engenheiro, tendo fundado, em 1986 em Macapá, a Etecon Construções, para atuar na construção civil com projetos e obras de engenharia. Ele também é presidente da Sociedade Amigos da Marinha, a SOAMAR no estado do Amapá. Possui vasta experiência no campo da abertura e construção de estradas no Amapá, tendo, inclusive sido um dos pioneiros na abertura da BR 156.

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