Dom Pedro José Conti
Bispo de Macapá
Era uma vez um homem que celebrava com grande solenidade o Durgâ pûja, o dia mais santo para a religião hindu. Naquele dia, ternos cordeirinhos e gordos leitões eram sacrificados no altar dos deuses. Da casa do devoto fiel saía um cativante e gostoso cheiro de assado que se espalhava pela aldeia toda. Mas os anos passaram e os sacrifícios se tornaram menos frequentes e, sobretudo, menos suntuosos. Perguntaram ao homem: - Por que o senhor celebra o Durgâ pûja com menos solenidade? O senhor perdeu a fé?
- Não – respondeu o devoto fiel – perdi quase todos os meus dentes.
Uma simples história da tradição do Bangladesh, onde o culto e a devoção dependiam das condições físicas do fiel. Não tenhamos dúvidas, a nossa religiosidade se manifesta, também, através do nosso corpo o qual tem as suas exigências. Ao redor de todos os templos, acredito de todas as religiões, tem alguém vendendo diretamente ou indiretamente alguma coisa. Podem ser as velas para pagar uma promessa ou a comida na praça da alimentação. Maior é o templo e mais animada é a festa, maior é a fila das bancas que se espremem na calçada, ou na praça, para vender algum produto. Nem os nossos cemitérios escapam no Dia dos Finados. A motivação de tanto esforço é sempre a mesma: o bem- estar do devoto ou do peregrino. Tudo é organizado para que as pessoas possam rezar em paz, descansar um pouco, alimentar-se e, porque não, levar alguma lembrancinha.
Devemos reconhecer, também, que nem sempre a nossa fervorosa oração tem motivações puramente espirituais. Que o digam as crianças, que esperam comportadas a Missa toda para ganhar um saquinho de pipoca no final, fora das nossas Igrejas; o digam os rapazes e as moças, que marcam o seu encontro “após a celebração” e, talvez, alguns curiosos e curiosas que ficam nos últimos bancos somente para reparar a roupa dos outros fiéis. Temos ainda os candidatos e as candidatas que aparecem regularmente em ano de eleição e os devotados animadores dos festejos de algum santo, ou alguma santa, que, passados aqueles dias, desaparecem no restante do ano.
No tempo de Jesus não era muito diferente. Os judeus que vinham de longe precisavam comprar os animais para os sacrifícios. Ao menos dois pombinhos, como fizeram Maria e José para resgatar o primogênito Jesus. Também os cambistas ajudavam a trocar as moedas estrangeiras com as locais, porque somente assim era possível fazer algum negócio. Devido ao grande número de peregrinos que todo ano subiam a Jerusalém, o Templo era, na prática, o centro propulsor da economia da cidade e daquela região toda. Foi preciso o Templo ser destruído para que aquela situação acabasse. No entanto ela continua, ainda hoje, com muitos outros templos, muitas outras igrejas e de muitas formas. Com isso, devemos pensar que Jesus perdeu o seu tempo chamando a atenção de comerciantes e clientes? De jeito nenhum, a lição dele, registrada nos evangelhos, continua atualíssima também para nós.
Podemos distinguir duas questões. Uma diz respeito ao uso da própria religião para fins lucrativos. Talvez o nome de Deus não seja diretamente usado em vão – o que seria contra o mandamento – mas por causa dEle e no nome dEle dá para ganhar alguns trocados e, às vezes, até enriquecer. O gesto de Jesus de expulsar os vendilhões do Templo deveria sempre servir de alerta para todos os que exploram a religiosidade do povo, mas deveria também fazer o próprio povo refletir sobre as suas manifestações religiosas ou crenças. Acreditar que o nosso pedido a Deus seja alcançado mais facilmente, ou mais rapidamente, conforme o tamanho da oferta significa, no mínimo, querer medir a fé e a confiança como se mede o dinheiro. Graça significa, justamente, gratuidade e generosidade, não pode ser confundida com uma troca qualquer de mercadoria ou de favores.
A segunda questão diz a respeito ao próprio Jesus que, ao ser cobrado por um sinal, começa a falar da sua ressurreição. Os discípulos irão entender plenamente o sentido das palavras apenas depois da Páscoa, mas nós já podemos entendê-las e acolhê-las.
Acreditar em Jesus não significa ficar ligados a um templo, mas somente à pessoa dele. Uma bela construção sempre poderá nos ajudar a louvar e a agradecer ao Senhor, no entanto isso não valeria nada se não nos levasse a acreditar no Senhor morto e ressuscitado que nos chama a servi-lo em todos os crucificados da vida e, portanto, a sermos motivos de vida nova para nós e para eles. As pedras dos templos não passam fome e nem adoecem, os irmãos sim.
Se a nossa fé e o nosso amor a Deus e ao próximo dependessem dos nossos dentes, uma dentadura nova resolveria. Na realidade é de um coração novo que estamos precisando.
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