Um dos mais respeitados policiais do Amapá está de volta à cena.
Trata-se do delegado Ronaldo Coelho, que os cronistas policiais chamam
de ‘Brabo’. O fato é que este ex taxista reconhece sua popularidade e
empatia que goza junto à sociedade, tanto que como um verdadeiro
porta-voz da categoria, costuma arrancar aplausos do público que lota o
Sambódromo durante dos desfiles cívicos do 7 de setembro, onde
experimenta as mais latentes manifestações de apreço e confiança por
parte da população amapaense. Mas ele acaba de assumir a titularidade da
Delegacia de Acidentes e foi ao rádio passar a limpo a carreira, a
violência e as mudanças comportamentais de pais e filhos. Foi no
programa Conexão Brasília, falando ao jornalista Cleber Barbosa.
Cleber Barbosa
Da Redação
Diário do Amapá – Acho que foi o repórter policial João
Cardoso Neto, o Bolero, quem cunhou a expressão Delegado Ronaldo Brabo
Coelho para chamar o senhor. Qual a origem desse apelido?
Ronaldo Coelho – Esse adjetivo veio da minha antiga
função, no Grupo de Captura que eu comandava, não é novidade pra
ninguém. Mas acho que muito mais do que isso é pelo tom da voz, a
maneira de falar espontaneamente e acabei sendo rotulado disso, mas não
tem nada disso não, pois não sou nem melhor nem pior do que qualquer
delegado que aí está no dia a dia.
Diário – Pelo que a gente sabe, no contato com os acusados, o
ralho faz parte também? O senhor chega a dar ralhos meio que didáticos
em determinados maus elementos?
Ronaldo – Eu demonstro a minha indignação. Não sei se
seria um ralho, mas tem a cultura da mentira que eu não aceito. Mentir
em depoimento, eu prefiro então que fique calado! Mas se falar, que fale
pelo menos alguma coisa coerente porque a minha indignação é que tem
vários depoimentos de alguém, mostrando uma sistemática outra, aí vem o
acusado com a maior cara de pau, como eu digo, criar factoides porque
alguém está instruindo ele? Aí eu sempre tinha essa linha de reclamar
mesmo, de me indignar. E outra coisa, não dizem que a gente também tem
que orientar? Mas tem cara que só conhece orientação no tranco! Essa que
é a grande verdade.
Diário – E com relação àquela frase “quem não acha pai em
casa vai achar na rua, ou é a polícia ou é o bandido”. O que o senhor
acha do papel dos pais em evitar que o filho caia no caminho da
delinquência?
Ronaldo – O caminho da delinquência está exacerbado
hoje e muito latente devido exatamente isso que você falou, a família.
Não está se valorizando isso, a gente percebe o respeito que a gente
tinha pelos mais velhos como antigamente, o respeito que se tinha por
pai e mãe. Hoje temos visto que o jovem, o adolescente não respeita pai e
nem mãe. E pior do que isso eu vejo fraqueza em pais e mães ao impor
ordem na casa, na educação dos seus filhos. Já cheguei a ver vários pais
na delegacia se justificando que o filho não obedece, que o filho não
atende e que por isso querem entregar o filho para o Estado criar. Ei, o
que é isso? Negativo meu amigo! Quando você tem um filho é para sempre.
Teu filho prestando ou não tem que assumir, não pode entregar a
educação, não pode passar esse encargo, nem pro Estado nem pra rua. Não!
Tem que ter essa sintonia, esse comprometimento.
Diário – Isso se reflete no perfil do bandido?
Ronaldo – Sim, os mais violentos não têm parâmetro
nenhum. Você percebe que essas pessoas violentíssimas, principalmente o
adolescente, ele tem aversão a pai e mãe, não fala da família e mais do
que isso, às vezes quando chega na unidade ou em determinada situação,
nas blitze, nas ruas, a gente pergunta: “Quem é teu pai?” E eles “Não
avisa ninguém que eu sou só nesse mundo!”. E tem outra, às vezes a
polícia faz esse papel de ir avisar o pai ou a mãe e eles dizem “não,
não tenho mais filho!”. Quer dizer, é um jogo de empura empura do qual
alguém vai pagar essa conta! E quem está pagando sabe quem é? O cidadão
comum, o cidadão estruturado, porque aquele que é desestruturado, nós
temos percebido isso, têm raiva daqueles que são estruturados e que têm
melhores condições.
Diário – Existem muitas pessoas que estudam as causas da
violência, no próprio meio acadêmico se vê isso, como o Núcleo de
Estudos da Violência da Unifap. Agora um dado concreto é a população
carcerária do Amapá, eminentemente jovem. Para um policial experiente
como o senhor a que isso se deve?
Ronaldo – Primeiro é pegar o que disse a maior
autoridade nessa área da Justiça, que é o ministro José Eduardo Cardozo,
que disso preferir a morte do que cumprir pena em nossos presídios.
Isso ele falou para o Brasil todo! Ou seja, a penitenciária hoje
infelizmente não cumpre o seu papel, a ressocialização não existe, o que
existe mais é punição. Hoje se entra lá por um determinado crime e sai
escolado em outros! Há necessidade de se debruçar sobre isso, de se
quebrar essa lógica da penitenciária. Não é novidade pra ninguém, podem
até me criticar, mas dizem que dentro da cadeia tem uma lei específica.
Como é que nós vamos falar em ressocialização se o cara chega lá para
ser submetido a uma lei da cadeia? Primeiro o Estado tem que ser forte,
rígido, para impor a lei dele, a lei geral. É deixar aquele cidadão lá
sentir que realmente ele está lá para cumprir a sua pena, mas ter uma
dignidade, ao invés de entrar lá e sair digno, entra lá e vira um
bicho-fera!
Diário
– Dentro dessa visão crítica do senhor, recentemente uma espécie de
rebelião na penitenciária local as autoridades apressaram-se em dizer
que não houve nenhum tiro dado por agentes do Estado, que os tiros foram
dados por detentos, numa disputa pelo controle do tráfico de drogas. Um
preso ligou para o rádio e deu entrevista. Quer dizer, armas, drogas,
celulares, tem muita coisa errada lá não é?
Ronaldo – Investimentos né? Por exemplo, enquanto você
não quebrar a comunicação do preso, que merece ser quebrada, para que
ele não tenha esse contato com o mundo exterior, nós vamos estar como se
diz, chovendo no molhado. Existem presos, como agora os jornais
mostraram, que o “Tourão” foi para Catanduvas (PR), num presídio
federal, para ver quantos anos esse homem está na cadeia. Esse é um
modelo que eu venho observando como o Tourão que se estabelece na
penitenciária e nem quer sair, quer passar a vida toda comandando lá de
dentro. É como o modelo do seu Marcola, que comanda o PCC [Primeiro
Comando da Capital] em São Paulo. Eles pensam que esse é um estilo de
vida e não querem mudar não!
Diário – Tamanha popularidade do senhor já teve pontos mais
agudos, como os desfiles do 7 de Setembro, no Sambódromo, quando o
senhor teve verdadeira consagração sendo ovacionado pelo público nas
arquibancadas. Já pensou em entrar para a política?
Ronaldo – Com relação ao 7 de Setembro eu quero até
aqui que possivelmente esse ano eu vou lá e pelo amor de Deus quer for
assistir nos receba pelo menos com uma salva de palmas, porque eu quero
levar lá aquele policial desmotivado, que para ele sentir do povo lá que
a população está apoiando a polícia. Ele certamente sairá de lá
revigorado e com o pensamento de justamente vir para cá e trabalhar com
mais afinco e com mais determinação. Com relação à política eu
sinceramente eu nem penso nessa política partidária porque o debate
sobre política está tão rasteiro, mas tão rasteiro, sem conteúdo, que
isso me desestimula porque eu queria ver era debates hoje sobre
condições melhores, de soluções para esses nossos problemas, de
investimentos para que a gente pudesse sair dessa letargia.
Diário – Isso em todos os níveis, é isso?
Ronaldo – Nesse país, a grande verdade é que nós do
norte somos discriminados. Eu fui no Rio de Janeiro e vi até teleférico
no morro e aqui a gente não avança? Isso é só um exemplo no transporte
público, fala-se em metrô no Rio de Janeiro, trem-bala para São Paulo,
tudo é pra lá pro sul do país? E nós do norte? Nós temos que ficar nessa
mesmice? Sinceramente eu acho que o Governo Federal deve olhar melhor
para a população do norte, porque essa alegria de dizer que temos a
maior floresta, sim, é o benefício pra nós que estamos aqui? Nós temos
que conviver com isso? Em recente pesquisa soube que a captação de
esgoto é 3%, fala-se em 1% até, e não avançamos nisso que é o primário?
Na outra ponta existem crianças adoecendo de diarreia, o que é isso?
Reflexo da falta desses investimentos que o governo federal não faz. Só
olha pra nós em época de eleição.
Diário – E com que expectativa o senhor assume esse desafio de conduzir a Delegacia de Acidentes?
Ronaldo – Eu assumo parece aquele jovem que quando
chegou aqui em 1994 bateu na porta e se apresentou para ser plantonista,
lá na Delegacia do Buritizal. É com esse ânimo que estou reiniciando.
Eu brinco que estou iniciando a carreira novamente, quero me reinventar e
quem sabe eu consiga desenvolver um grande trabalho aqui até porque eu
tenho uma empatia muito grande com a população. Mas eu devo isso à
imprensa amapaense, aí eu vou ter que dizer. Tem uns que criticam, mas
eu não tenho que criticar em nada os profissionais que estão no dia a
dia porque foram essas pessoas que divulgaram o meu trabalho e que me
colocaram aí. Foram esse elo com a população amapaense e tenho que
agradecer por isso.
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